Malcolm McLaren não foi só o homem que inventou os Sex Pistols
Malcolm McLaren será para sempre recordado como o manager por detrás Sex Pistols. Para a história ficam acontecimentos que fizeram correr muita tinta. Falamos, por exemplo, da letra controversa de God Save the Queen, que satirizava o jubileu de prata da Rainha Elizabeth; ou o concerto sobre o Tamisa, num barco propositadamente estacionado em frente ao Palácio de Westminster.
Foram tudo ideias de McLaren que mostram bem o tipo de táticas usadas pelo homem que transcendeu os Sex Pistols para se tornar na força motriz do punk – não só como música, mas principalmente enquanto posicionamento social contracorrente. Malcolm faleceu em abril de 2010, mas o seu percurso merece ser recordado. E é exatamente isso que fazemos neste post.
Malcolm Mclaren nasceu em 1946, em Londres, num período em que ainda decorria a II Guerra Mundial. Quando tinha cerca de 2 anos o pai, um engenheiro escocês, saiu de casa, deixando a criança aos cuidados da avó materna, uma portuguesa abastada com fortes crenças judaicas, mas sem grandes regras. A falta de rotinas e de limites ditou uma postura que mais tarde se viria a refletir na forma de pensar.
De acordo com o próprio filho do ex-manager numa entrevista ao The Guardian, Malcolm McLaren só foi um dia à escola. Estudiosos do movimento punk questionam, por isso, se o jovem alguma vez teria chegado a interiorizar as regras sociais que são impostas naturalmente quer pelos professores, quer pela “lei” do recreio.
Sabe-se, com certeza absoluta, que o jovem terá frequentado vários cursos de arte, acabando por ser expulso de todos eles, graças àquilo que podemos considerar uma extravagância excessiva. Em simultâneo, Malcolm McLaren foi tentando também uma série de trabalhos, entre eles o de provador de vinhos. Sempre sem muito sucesso.
O início do ativismo político começou na década de 60. Foi por essa altura que Malcolm McLaren começou a identificar-se com o movimento situacionista. Originário de França, esta linha de pensamento com forte carácter social possuía um lado provocatório forte. Durante esta década, o jovem McLaren participou em manifestações e, inclusive, tentou viajar para Paris, local onde o movimento era mais forte.
SEX: a loja que deu origem aos Sex Pistols
Embora tivesse mantido a índole situacionista, Malcolm McLaren deixou de ser tão interventivo quando, em 1972, decidiu abrir uma loja de roupa em conjunto com o amigo, Patrick Casey, e a namorada, Vivienne Westwood.
Um ano depois, o estabelecimento participou numa feira nacional e foi aí que se deu o primeiro contacto com os New York Dolls, para quem começaram a criar roupas conhecidas pela sua extravagância, bem ao estilo punk.
Durante um curto período, o estabelecimento teve vários nomes. Mais tarde a loja voltou a ser renomeada, mas desta vez para SEX. Encontrávamo-nos, então, no ano de 1974 e o aspeto provocante e fetichista das roupas de cabedal estava na moda. Entretanto, os New York Dolls acabaram por se separar.
Do leque de clientes de SEX faziam parte o baterista, Paul Cook, e o guitarrista, Steve Jones, membros de uma banda chamada The Strand (e também conhecida por The Swankers).
Dadas as aspirações musicais de ambos, Malcolm McLaren apresentou-os ao seu assistente de loja, o baixista Glen Matlock. Por influência de McLaren, Wally Nightingale acabou por ser expulso da formação já existente, sendo substituído por John Rotten, mais tarde conhecido como John Lydon.
Da loja à banda, o estabelecimento acabou por influenciar a escolha do nome dos Sex Pistols. De acordo com Malcolm McLaren, o objetivo era que o grupo soasse a qualquer coisa como “sexy young assassins”.
Começava assim uma longa carreira que se estenderia durante vários anos. Sem olhar a meios para obter publicidade, Malcolm McLaren chegou mesmo a ser preso na sequência da atuação sobre o Tamisa, depois do barco ter sido invadido pela polícia.
Embora seja consensualmente considerado como responsável pelo sucesso dos Sex Pistols, a relação com os vários membros do grupo não foi pacífica. John Lydon acusou-o de estar a levar a banda pelo caminho errado, recusando-se a pagar-lhe o salário. As discussões acabaram mesmo por terminar com a suspensão do contacto e com um processo judicial, ganho por Lydon.
Depois da morte de Sid Vicious e da consequente dissolução da banda, manager e vocalista nunca mais se falaram. O documentário The Filth and the Fury, de 2000, mostra a versão dos acontecimentos através dos membros da banda. O responsável pela realização do trabalho foi Julien Temple.
Projetos individuais e colaboração com outros artistas
Malcolm McLaren descrevia-se a si próprio como “mais mágico do que músico”. Mesmo assim, o manager aventurou-se numa carreira musical a solo composta por 8 álbuns de estúdio e vários outros trabalhos, desde compilações a bandas sonoras. A primeira incursão em nome próprio deu-se no ano de 1983, com Duck Rock. A última, ocorreu em 2009 e chama-se Shallow.
Ainda que numa profissão diferente daquela que tinha desempenhado com os Sex Pistols, Malcolm McLaren conseguiu um sucesso significativo. O seu tema mais conhecido será provavelmente About Her, uma música baseada em She’s Not There, dos Zombies, e que foi acusada de plágio por Benjamin Bruneau. A popularidade da canção é explicada pelo fato de ter sido usada em Kill Bill: Vol. 2, de Tarantino.
Ao longo da sua carreira como manager, Malcolm McLaren trabalhou também com Adam and the Ants e, mais tarde, com os Bow Wow Wow. Em 1985, o inglês estabeleceu contacto com os Red Hot Chili Peppers, mostrando-se interessado no grupo. Depois de os ouvir, McLaren manifestou-se “claramente pouco impressionado” e propôs uma mudança quer no género musical, quer na roupa que usavam nas performances. A proposta foi recusada.
Malcolm McLaren: Punk até ao fim
Cerca de 10 anos antes de morrer, o ex-manager dos Sex Pistols partilhou com o mundo que tinha intenções de se tornar presidente de Londres. Nesse papel, criaria uma bandeira multiétnica da cidade para festejar o Carnaval e legalizaria os bordéis em frente ao Parlamento.
Em 2008, McLaren aceitou o convite para participar em Big Brother: Celebrity Hijack, cujo conceito era convidar uma celebridade que, durante um dia, definiria tudo aquilo que se passava no programa.
Em declarações à imprensa, Malcom McLaren explicou o porquê de ter participado no reality-show: “Tenho sido chamado de muitas coisas: charlatão, vigarista ou (o mais lisonjeador) o responsável por transformar a cultura pop britânica numa jogada de marketing barata. Esta é a minha oportunidade de mostrar que as acusações são verdade”.
Malcolm McLaren morreu em 2010, vítima de uma forma rara de cancro no abdómen. O corpo foi enterrado no cemitério de Highgate, ao som da versão de My Way de Sid Vicious. No caixão, estava escrita a expressão Too Fast To Live Too Young To Die (“Demasiado Rápido Para Viver Demasiado Novo Para Morrer”), que tinha sido um dos nomes da sua loja de roupa.
Durante o serviço fúnebre, o filho cumpriu o pedido do pai e pediu a todos os que participaram (entre os quais nomes como Bob Geldof, Tracey Emin and Adam Ant) que fizessem “um minuto de destruição”. “Ponham os vossos discos favoritos a tocar and let it RIP!“, pediu.
Atualmente, ao entrarmos no site oficial de Malcolm McLaren, vemos apenas a letra de Revenge of the Flowers e um link para o YouTube com o vídeo da canção. “A thousand kisses say goodbye / And then they say you’ll never die” (Mil beijos dizem adeus/ E depois dizem que tu nunca vais morrer) são dois dos versos do tema.