Martinho da Vila: “o samba é o símbolo do Brasil”
Martilho da Vila pode ser natural do Brasil, mas em Portugal não há quem não conheça este mestre da música brasileira. Filho de lavradores, Martinho da Vila mudou-se quando tinha quatro anos para o Rio de Janeiro, deixado para trás a fazenda onde tinha nascido e vivido os primeiros anos de vida (e que anos mais tarde comprou e é hoje a sua casa de férias fora do Rio).
Foi assim, na grande cidade, que começou a dar as primeiras pisadas pelo mundo do samba.
O estrelato começou em meados de 1967 quando, depois de apresentar a música Menina Moça no II Festival da Record, foi aplaudido e reconhecido pelo seu sucesso. Hoje, é sem dúvida um nome respeito na cultura brasileira, tendo sido mesmo o segundo sambista a vender mais de um milhão de cópias com o álbum , em 1995.
Neste post, recordo uma entrevista que fiz ao artista durante a sua passagem por Portugal pela altura em que cá veio para promover o seu álbum Definitivo. Uma conversa que se mantém relevante, mesmo passado todos estes anos, e onde o artista partilha opiniões sobre o estado da música, a importância do samba e a relação musical entre o nosso país e o Brasil.
À conversa com Martinho da Vila
Goreti Teixeira (GT): Que balanço faz da sua carreira?
Martinho da Vila (MdV): Não costumo fazer nenhum balanço. Na minha perspectiva, a vida artistica é a mais instável que existe. Quando acabo de gravar um disco digo para mim: “vou terminar o contrato com a editora, canto por mais um ano e depois vou parar”. Mas isso acaba por não acontecer, porque a editora telefona para renovar o contrato e eu continuo. Tenho conseguido alcançar um sucesso quase todos os anos, com altos e baixos, mas em geral o meu trabalho é sempre muito bem aceite.
GT: E convive bem com esse sucesso?
MdV: É muito bom (risos). No início era um pouco estranho, mas agora já estou mais familiarizado, apesar de saber que é algo que pode ser passageiro.
GT: Mas em 30 anos…
MdV: É verdade. Mas no Brasil não existem muitos artistas a fazer discos todo o ano com sucesso, à excepção do Roberto Carlos e eu. A partir daí as coisas param um pouco.
GT: De facto, grava um disco todos os anos. Tem medo que o público se esqueça de si ou tem material suficiente para poder lançar novos álbuns?
MdV: Eu faço um álbum e penso parar. Mas a cabeça está sempre a funcionar e vão surgindo novas ideias para um disco… E acabo por gravar.
GT: A música é um vício?
MdV: Sem dúvida. A música é tão fantástica que qualquer pessoa que entre no meio não consegue sair mais. Mesmo os cantores que não têm muito sucesso fazem tudo para estar ligados à música. Trabalham numa empresa de produção de espectáculos ou a fazer composições ou trabalham mesmo em jornais onde podem escrever sobre música.
GT: É considerado por muitas pessoas como sendo um dos grandes culpados do aumento das vendas dos discos de samba. Assume essa culpa?
MdV: Assumo, porque antes da minha chegada ao mercado o samba era muito bem visto, mas não era música de consumo generalizado. O meu primeiro disco foi recordista nacional e a partir daí surgiram outros cantores que chegaram ao mesmo patamar de vendas. O género não era visto como música para grandes eventos e eu consegui que isso se alterasse.
GT: A passagem por Portugal é obrigatória?
MdV: Para mim é, porque existe muita afinidade. Gosto muito de Portugal, da comida, do vinho, dos mariscos… Além disso, quando estou aqui não me sinto um estrangeiro, porque é como se Portugal fosse uma parte do Brasil. Por vezes, sinto-me mais deslocado quando viajo dentro do meu próprio país.
GT: O mercado brasileiro tem a mesma abertura em relação à música portuguesa que nós temos aqui em relação à brasileira?
MdV: A verdade é que o Brasil tem uma grande variedade de música e um número infinitamente maior de artistas e de população. Por exemplo, nós adoramos o vinho português, mas vocês não recebem o vinho que nós fazemos, porque têm em maior quantidade.
GT: Então as coisas passam por aí, pelo facto do Brasil ser maior que Portugal o vosso mercado fecha-se?
MdV: Não é só em relação a Portugal: com o resto do mundo acontece a mesma coisa. O que os portugueses precisam é que as editoras portuguesas interessem-se pela divulgação de determinado artista no Brasil. Se o Luís Represas grava um disco e a editora mostra interesse em promovê-lo no meu país, a música portuguesa acaba por fazer parte do mercado.
GT: Então a responsabilidade é das editoras?
MdV: Com certeza. Enquanto que as nossas editoras e os empresários se empenham em promover o nosso trabalho em Portugal, o mesmo não acontece em sentido contrário, apesar do mercado português ser muito pequeno face ao brasileiro. O ponto fundamental é incentivar as editoras e os empresários a pegar num artista e lançá-lo no Brasil. E quando digo “lançá-lo” não é apenas gravar um disco e fazer meia dúzia de espectáculos: É fazer o que eu faço aqui, falar com a imprensa, ir à televisão e às rádios. Quando alguém tiver essa vontade as coisas podem melhorar. Há algum tempo atrás, a música portuguesa estava em grande no Brasil.
GT: Considera que o samba representa para o povo brasileiro o mesmo que o fado representa para Portugal?
MdV: Exactamente. O fado é o símbolo de Portugal e o samba é o símbolo do Brasil.
GT: Mas o samba é só alegria ou também é tristeza?
MdV: Por tradição, quase todo o samba tem uma dose de melancolia. O samba fala de problemas do dia-a-dia, do amor, das decepções, da vida… Mas todas estas coisas são contadas e cantadas de uma maneira muito alegre. E é essa a diferença que existe entre o fado e o samba. Por exemplo, quando a minha mãe faleceu eu estava em Portugal e, na altura, em que a família se reuniu ninguém falou dela com tristeza, mas sim com muita alegria e recordando histórias que se passaram com ela.