Vodafone Paredes de Coura 2019 (dia 2): A velha guarda ainda marca a nova ordem
Momentos de delírio colectivo, dança desenfreada encosta acima, corpos saltitantes, braços levantados aos céus… o deleite! Foi assim no concerto dos New Order, que mais não foi uma celebração conjunta, um encontro que a maioria do público presente há muito ansiava.
A avaliar pela excitação, antes, durante e mesmo depois do concerto, pelos sorrisos rasgados nas faces e pela felicidade estampada nos rostos do público, que, finda a actuação, tentava digerir o que tinha acabado de acontecer, procurando ordenar as ideias ainda embrulhadas em emoções fortes, o que se passou ontem nas margens do rio Coura foi histórico.
Os anos passam, as pessoas (todas) envelhecem, mas há música que não. E foi isso que Bernard Sumner, Stephen Morris, Gillian Gilbert, Phil Cunningham e Tom Chapman provaram na segunda noite de Paredes de Coura 2019.
Se o concerto foi um regabofe para os quarentões, cinquentões e outros ainda mais velhos, os mais novos estavam igualmente animados e deliciados com o momento que vivenciavam. Para os mais velhos foi um regurgitar de emoções e memórias de uma juventude feita de boa música, já para os mais novos as memórias são outras, muitas começadas a construir ontem, mas as emoções eram as mesmas.
Com um alinhamento a tocar a maioria das pérolas do vasto repertório, os New Order prestaram ainda uma homenagem aos Joy Division, interpretando quatro temas de uma das bandas mais importantes da new wave, senão a mais importante.
«She’s Lost Control» foi a primeira, logo depois do arranque morno e titubeante (com «Singularity» e «Restless») ao som de New Order. De seguida, a primeira injecção de adrenalina na plateia, com o «Transmission», ao som do qual aconteceu o primeiro «party time» do concerto.
Já a segunda dose de Joy Division formou o encore, num momento de homenagem a Joy Division e ao malogrado Ian Curtis, que o público assinalou devidamente.
«Atmosphere» foi um momento musical de excepção, fechando a actuação com o esquizofrénico «Love will tear us apart», provavelmente o tema mais conhecido das novas gerações de festivaleiros.
E se este era um momento esperado, o resto do concerto foi um constante acumular de adrenalina que só a dança ajudava a libertar. A massa humana dançava como se toda ela tivesse 20 anos, os mais novos experimentavam-se numa espécie de mosh, com muita agitação em frente ao palco.
A verdade é que o anfiteatro natural do Taboão se transformou numa enorme pista de dança onde corpos agitados e espíritos distraídos dançavam sonoridades como «Blue Monday», «True Faith», «Bizarre Love Triangle» e «Waiting for the siren’s Call», entre tantas outras (foram 15 no total).
Absolutamente magistral, diz-vos este vosso escriba, fã incondicional de Joy Division e um, obrigatoriamente, amante de New Order.
Neste sentido, de referir que os temas de Joy Division funcionam melhor no projecto de Peter Hook & The Light e, diga-se, que o baixista também envelheceu melhor do que os restantes New Order.
Vodafone Paredes de Coura 2019 (dia 2): Khruangbin e Car Seat Headrest em destaque
E se a velha guarda (New Order) foi gigante, a nova geração, com destaque para os norte-americanos Khruangbin e Car Seat Headrest, foi grande no aquecimento das hostes.
Meia-hora depois dos portugueses Cave Story abrirem (e que bem!) as hostilidades no Palco Vodafone.fm, no principal iniciava-se aquela que vai, seguramente, ficar como a grande viagem da 27ª edição de Paredes de Coura. Os Khruangbin e o seu rock hipnótico-psicadélico levaram, ainda o Sol ia alto, milhares de pessoas ao êxtase.
O trio norte-americano – Mark Speer (guitarra), Laura Lee (baixo) e Donald Johnson (bateria) – guiaram o muito público que às seis da tarde se juntou no palco principal para, literalmente, viajar nas ondas sonoras dos texanos.
Música para desfrutar de olhos fechados não fossem eles três umas personagens! A guitarra de Mark Speer parece uma extensão não dos braços, mas de uma mente atribulada em busca da felicidade que vislumbra sempre no horizonte, tocando-lhe… mesmo que não a alcance. Laura Lee abraça a viola baixo como se de um amante se tratasse, meneia-se como uma diva e pontua a sonoridade com o coração. Lá atrás, o robusto Donald Johnson, mesmo quase não se mexendo, está lá, marcando o ritmo ora deslizante, ora enervante, ora melancólico, ora desafiante.
Foi, sem dúvida, o início fabuloso de uma noite mágica e, não fosse a ansiedade pelos New Order, o concerto do segundo dia da edição 2019 de Coura.
E isto sem tirar ponta de brilho à actuação dos Car Seat Headrest, o primeiro, e há muito desejado, momento de mosh e crowdsurfing que os festivaleiros de Coura tanto apreciam.
Ainda por cima, depois de um primeiro dia bastante morno, ao dia 2 a ansiedade pela agitação sente-se no ar e às primeiras sonoridades mais aceleradas a rapaziada não perdoa.
Foi o que aconteceu com os norte-americanos… e a rapaziada não perdoou! Os jovens Will Toledo, Andrew Katz, Ethan Ives e Seth Dalby são daqueles que nos fazem acreditar que o futuro do rock é risonho e continuará pujante.
A fechar o Palco Vodafone, os Capitão Fausto tinham uma missão muito ingrata. Actuar a seguir a New Order, nas circunstâncias que se previa e aconteceu, não é fácil e notou-se.
Os portugueses conseguiram agarrar a sua vasta legião de fãs, mas pouco ou nada mais. Acabou por ser mais um concerto, sem rasgo e que entediou bastante gente. Ainda assim, lá à frente, havia… mosh!
Aquando do anúncio de Capitão Fausto para o cartaz de PdC’19, este vosso escriba gracejou, dizendo que “mais valia ser os Capitão Fantasma”. Hoje, estou mais convicto ainda que teria sido bem melhor para o grosso da massa humana que esteve no recinto.
Em fecho de noite, tech-house com fragrância arábica, com Acid Arab, e o último input sonoro-abrasivo com Kristal Klear.
Uma noite para guardar no baú das melhores memórias.
Confira também como foi o primeiro dia do Vodafone Paredes de Coura 2019 aqui no artigo Vodafone Paredes de Coura 2019 (dia 1): Lotação esgotada em noite de aquecimento
Fotos: Sofia Salgado Mota
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Vodafone Paredes de Coura 2019 (dia 1): Lotação esgotada em noite de aquecimento
Vodafone Paredes de Coura 2019 (dia 3): A rockalhada em noite para mentes deambulantes
Vodafone Paredes de Coura 2019 (dia 4): Quando a palavra vale mais do que mil berros