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Nelson Ned: Recordando o pequeno gigante da canção

Nelson Ned: Recordando o pequeno gigante da canção

by Gabriel Crespo

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Nelson Ned d’Ávila Pinto, nascido na cidade mineira de Ubá, em 1947, foi um dos maiores cantores do Brasil no exterior. Seu reconhecimento nos países da América Latina e até mesmo nos Estados Unidos da América (onde é o brasileiro recordista de vendas) ainda é bem maior do que o reconhecimento que ele teve em seu próprio país.

Nos anos 60 e 70 apresentou-se diversas vezes no The Carnegie Hall, uma das mais importantes e sofisticadas casas de espetáculos de Nova Iorque, sendo o primeiro cantor internacional a ocupar o palco sozinho, sem dividi-lo com ninguém.

Por conta de sua estatura baixa (nasceu com nanismo), todos que conheciam a voz e o trabalho de Nelson Ned se impressionavam pelo fato daquela voz tamanha, com afinação e dicção impecáveis, ser emitida com tanta facilidade por alguém daquele tamanho. Muito se justifica a emissão vocal pelo tamanho da caixa torácica, mas no caso deste artista havia muito talento e, pode-se dizer, dom divino.

Chamado de “o pequeno gigante da canção” (el pequeño gigante de la canción), Nelson Ned estourou e ficou reconhecido mundialmente com “Tudo Passará”, música de sua autoria. No ano de seu lançamento (1969), ele ganhou o festival de música popular na Argentina com sua versão em castelhano – “Todo Pasará”.

Para fazer este nosso recorte da história de Nelson Ned, mostrando com a sua obra e a sua vida se correspondem, vamos propor uma seleção de suas músicas. Para manifestar a minha indignação pelo fato de o artista não ter tido o reconhecimento no Brasil como teve no exterior (o que se notou na sua morte, em 2014, quase que em anonimato no nosso país, enquanto as emissoras latinas fizeram especiais para homenageá-lo) serei honesto e destacarei os seus sucessos nas suas versões em espanhol.

Também lembraremos em português pois, cabe lembrar, ele também foi um tremendo sucesso no Brasil, mas sem dúvidas o respeito à voz enquanto viva e à memória de Nelson Ned pelo nosso povo não chegou nem perto da guardada pelos nuestros hermanos. Seguem em baixo alguns de seus muitos sucessos:

Lista com os maiores êxitos de Nelson Ned

TODO PASARÁ/ TUDO PASSARÁ

“Más todo pasa, todo pasará

y nada queda, nada quedará

solo se encuentra la felicidad

cuando se brinda el corazón…”

O maior sucesso da carreira de Nelson Ned é também uma das canções românticas que trazem uma carga emocional tão forte que exige que o eu intérprete solte a voz e consiga dar o sentimento de cada verso desta letra dramática. O estilo de suas canções fez com que no Brasil este artista fosse associado ao Brega.

Como já discutimos em um artigo no nosso blog, este termo surgiu como uma forma de rotular um certo tipo de cantores românticos e populares dos anos 70, de forma a identifica-los como artistas de pouca qualidade. Chamar um artista ou até mesmo uma pessoa de vida comum de “brega” é uma grande ofensa! Sobre seu maior sucesso, Nelson Ned declarou: “É a que mais gosto. Quando cantei em um programa fui aplaudido de pé no meio da música. Isso é ser brega? Quem não é brega quando fala de amor? É o amor que é brega, não a minha música.”

No entanto, hoje já existem pesquisas no campo da história da música brasileira que apontam a grande injustiça desta rotulação, pois basta ouvir músicas como as de Nelson Ned (rotulado brega) para perceber a qualidade musical e o encontro fácil destas canções com o sentimento popular. “Tudo Passará” ganhou versões em vários idiomas (francês, italiano e inglês). Em inglês, no entanto, foi plagiada pelo sofisticado Matt Monro na sua “All of Sudden”, que é na verdade uma versão desta, no entanto, sem fazer as devidas referências à canção original e seu autor. Foi o próprio público norte-americano que acusou seu artista de plágio, devida a enorme popularidade do brasileiro. Esta música também faz parte da franquia da animação infantil Ursinho Pooh. Um verdadeiro sucesso!

 

 

MI MANERA DE AMAR

“Yo estoy loco, por tener algo contigo, algo mas que un amigo

Y yo quisiera, darte un beso en esa boca y besar tu piel

Y estoy seguro de que cuando tu conozcas, mi manera de amar

Un gran amigo vas a perder, y un gran amor vas a ganar”

Quem não tem a sua maneira de amar? E quem não é muitas vezes incompreendido pela sua forma particular de amar? E quando a relação entre um homem e uma mulher se encontra na discussão se há apenas o amor-amigo ou o amor de alma, corpo e cama? – São estas algumas das emoções trazidas por “Mi manera de amar”.

 

 

DEJAME SI ESTOY LLORANDO

“Déjame si estoy llorando

Ni un consuelo estoy buscando

Quiero estar solo conmigo

Si me ven que a solas voy llorando

Es que estoy de pronto recordando

A un amor que aún no consigo olvidar…”

Como todas as canções de Nelson Ned, a letra além de ser uma linda poesia (que se destaca pela simplicidade) é quase sempre uma mensagem direta para alguém! Entender o caráter direto destes temas de amor nos ajuda a compreender tamanho sucesso! Quando precisamos de um momento a sós, para rever as nossas próprias ideias, muitas vezes confusas pelo pensamento perdido, quando precisamos de uma momento só com a nossa própria presente para pensar melhor sobre a nossa vida, e se neste momento chega um parente ou um amigo e nos tira a intimidade da solidão em vãs tentativas de nos ver parar de chorar, sentimos a vontade de gritar: “Deixa-me se estou chorando”. É o respeito dos outros que tanto precisamos para que possamos vivenciar a dor, a perda, o luto ou a separação, todos motivadores de sentimentos tristes, mas que são necessários para o amadurecimento e a aquisição de sabedoria para viver a vida. Precisamos do nosso momento, da nossa experiência com a dor, da nossa intimidade. Um poeta como Nelson Ned sabia quão frutíferas eram as lágrimas sofridas para criar uma canção. A maioria das músicas românticas de sucesso (as que estouram os corações) vieram de momentos tristes de solidão em que o autor compôs com a sensibilidade de seu espírito que desceu às profundezas da emoção e conseguiu retornar delas.

 

 

YO TAMBIEN SOY SENTIMENTAL

“Si un amor ardiente se nos marcha de repente

Nace la llama de un dolor sentimental

Quien me ve llorando

Notara que estoy amando

Pues de verdad

Yo también soy sentimental.”

Por mais que queiramos (ou sejamos obrigados a) passar a ideia de que somos feitos de pedra, de que o nosso coração foi endurecido pela experiência e que já soubemos de tudo o que o amor pode fazer em nossa vida, somos testados pelo compositor sentimental a reavaliar sobre o nosso sentimento: “quem é que não teve na vida um problema de amor, uma desilusão?” ou “quem é que não guarda consigo uma triste saudade em seu coração”, ou “quem é que não foi pelo ou menos uma vez na vida um pouco de alguém?”; ou “Que não quer ser feliz um pouquinho?” e “quem é que não reza baixinho pra ter sorte no amor?”. Este clássico popular é capaz de levar qualquer um às lágrimas! O documentário “Vou rifar meu coração”, de Ana Rieper, que fala sobre a música dita brega e o seu entrelaçamento com a realidade do sentimento e das histórias populares, traz “Eu também sou sentimental” na íntegra na abertura do longa-metragem. O cantor participou e declarou em defesa do seu estilo de canção: “música popular é aquela que pode ser tocada em cada esquina, em todo lugar”.

 

 

ESSE MEU CORAÇÃO SEM JUÍZO

“Meu coração é mesmo sem juízo

Não sabe que eu preciso

Deixar de gostar tanto assim

Meu coração às vezes me entristece

Meu coração parece que não gosta de mim…”

Em 1976, outro romântico gravou em primeira mão “Esse meu coração sem juízo”, de autoria de Nelson Ned. Foi Moacyr Franco e seu jeito único de dar voz a clássicos! A letra nos indaga sobre quantas vezes o nosso coração nos engana e parece estar de brincadeira conosco… Quantas vezes somos quase que obrigados a pensar que o nosso coração parece que não gosta da gente, pois sempre bate forte e traz à tona emoções por uma pessoa que nos faz sofrer tanto… Parece até que o coração não tem juízo! Enquanto existem tantos casais por aí, vivendo uma vida aparentemente feliz, parece que a gente está condenado a sofrer e a colecionar promessas de amor que não chegaram a se concretizar… Por uma ironia do destino, pelo humor sarcástico de Cupido ou pelo nosso coração sem juízo (sem dar ouvido à razão), estamos sempre a nos encantar por um amor que não irá acontecer, ou que parece já haver um tempo certo para terminar… Triste, mas é a realidade de muitos.

 

 

   

SI LAS FLORES PUDIERAN HABLAR

“Hace ya tiempo que quiero decirte y no sé

Una tristeza que en mí ya no puedo esconder

Ya te escribí en miles cartas mi drama de amor

Sin que llegara a mis manos una contestación

Vida, hoy te envió estas flores, que robé de un jardín

Esperando, que así te recuerdes, poco a poco de mí…”

Nem todos conseguem ter a coragem necessária para enfrentar as incertezas da paixão e se declarar para a pessoa amada. Mas “se as flores pudessem falar”? Com certeza, se elas falassem, elas diriam tudo aquilo que reside no fundo do coração de quem as enviou. Algumas pessoas sensíveis, ao receber flores, conseguem perceber os votos de amor e de bem querer que há em cada pétala. Infelizmente, nem todos tem esta sensibilidade emocional. Os românticos que não conseguem expressar seu amor, entretanto, continuarão sempre a mandar flores para as suas amadas. É um hábito que não passa e nem passará, pois no fundo sempre contamos com o auxílio dos simbolismos em nossa vida (as rosas, os bombons, o perfume, a joia, etc…) com a intensão de que estes objetos consigam “falar” mesmo que sem usar de palavras.

 

 

SE EU PUDESSE CONVERSAR COM DEUS

“Eu sei que é impossível, mas eu queria tanto conversar com deus

Nestas horas tão tristes só deus me ajudaria a esquecer você

Mas sei que estou errado sou eu quem devo meus problemas resolver

Meu rosto está molhado de lágrimas cansadas de chorar por você.”

Esta linda e profunda canção de fé composta por Nelson Ned tornou-se um dos maiores sucessos na voz também saudoso cantor Antônio Marcos. O repertório de ambos era romântico ao mesmo tempo em que traziam sempre uma faixa com referência ao sentimento espiritual. Nelson Ned, na última década de sua carreira, converteu-se ao cristianismo e passou a lançar álbuns de temática gospel. Suas canções eram marcadas pelo arrependimento de uma vida de excessos e deslizes (pecados, na linguagem religiosa) e pela necessidade de espiritualização, encontro e reconhecimento da grandiosidade de Deus. Em 1993 Nelson Ned lançou no mercado brasileiro e latino o álbum “Jesus está vivo”, vendendo milhões de cópias, se tornando um dos primeiros artistas nacionais de sucesso gospel, abrindo a porta das gravadoras e da mídia às músicas evangélicas. A sua gravação de “Sonda-me” é um clássico do gospel. Nelson Ned mudou seu modo de viver, mesmo tendo que colher os devidos frutos de sua semeadura. O cantor lançou sua autobiografia – “O Pequeno Gigante da Canção” (1996) – onde revelou a sua história e os contrastes de uma vida de muito sucesso e tristeza, além de fazer um verdadeiro “testemunho” de sua fé.

 

 

NINGUÉM IRÁ TE AMAR MAIS DO QUE EU

“Duvido muito

Que esse alguém que você fala

Fale tanto em você

Mais do que eu

E que esse alguém por quem, às vezes, você chora

Chore tanto por você

Mais do que eu…”

Às vezes nos perguntamos porque razão a pessoa a quem tanto amamos se interessa por uma aventura com um outro alguém… Nos perguntamos porque sabemos o quanto amamos aquela pessoa e o quanto nos esforçamos para que esta pessoa sinta esse amor… Atenção, carinho, cuidado, respeito, escuta… são tantos sentimentos positivos provados no cotidiano que parece impossível que alguém possa amar mais do que eu! É mais uma daquelas fortes mensagens diretas de Nelson Ned que às vezes gostaríamos de mandar para alguém ouvir!

 

 

DOMINGO À TARDE

“O que é que você vai fazer domingo à tarde,

Pois eu quero convidar você para sair comigo,

Passear por aí numa rua qualquer da cidade,

Vou dizer pra você tanta coisa que a ninguém eu digo…”

Não há nada que nos faça sentir mais tédio do que um domingo à tarde. Quando não se tem uma companhia, então, as horas parecem se arrastarem. As paredes da nossa casa nos sufocam e mesmo os passeios solitários pela cidade neste dia de folga não são nada felizes… Para fugir desta solidão que numa tarde de domingo grita no seu volume mais alto, nada melhor do que convidar uma boa companhia para sair por aí, dar uma volta de carro, comer e beber alguma coisa, admirar as paisagens! Um “Domingo à tarde” só é bom quando se está junto de alguém! Esta canção foi lançada nos tempos da Jovem Guarda, em 1969. É possível perceber a influência do movimento no arranjo desta canção. Há uma outra música de Nelson Ned que também foi sucesso na época da Jovem Guarda através do cantor Agnaldo Timóteo (amigo pessoal do cantor), uma canção que também merece ser ouvida chamada “Eu vou sair para buscar você”.

 

 

HISTORIA DE UN AMOR

“Es la historia de un amor

como no hay otro igual

que me hizo comprender

todo el bien todo el mal

que le dio luz a mi vida,

apagandola después.

Ay que vida tan oscura corazón,

sin tu amor no vivire.”

Apesar de ser um autor de mão cheia, Nelson Ned também gravou outros compositores. Ele deu um brilho especial aos boleros latino-americanos de maior sucesso, fazendo ele próprio uma seleção dos dezesseis melhores! Os álbuns em castelhano do pequeño gigante de la canción valem a pena ser conferidos! Além de “Historia de un amor”, Nelson cantou “Perfídia”, “Tu me acostumbraste”, “Nunca Jamás”, “Encadenados”, “Maria Elena”, “La Barca”, “El Reloj” e muitos outros romantismos. Em 2015, foi lançado um CD chamado “La historia es viva”, com duetos de Nelson Ned com Agnaldo Timóteo para várias estes boleros que antes contava apenas com a voz de Nelson.

 

 

Encerramos esta nossa homenagem a Nelson Ned indicando a sua histórica entrevista ao apresentador Jô Soares nos anos 90, para o programa Onze e Meia (do SBT).
ENTREVISTA DE NELSON NED A JÔ SOARES:

 

Ficamos com a lembrança daquele que foi um dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos e um dos poetas que melhor conhecia a linguagem do coração, do amor e da legião romântica. Se tivéssemos a difícil tarefa de escolher um grupo pequeno de artistas brasileiros a quem gostaríamos de preservar sua obra na memória, com certeza, o pequeno gigante da canção estaria nele!

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