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Kussondulola: “O papel do reggae é fazer música para ajudar os outros”

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Kussondulola: “O papel do reggae é fazer música para ajudar os outros”

by Goreti Teixeira

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Com o álbum “Guerrilheiro” mais um capítulo se inscreveu na carreira dos Kussondulola. A banda reggae portuguesa, com forte expressão nos Países de Língua Oficial Portuguesa, lançou em 2006 o seu quinto álbum de estúdio. Uma vez mais Janelo da Costa e a sua banda convidaram alguns nomes da música nacional para estarem a seu lado, entre eles Paulo Gonzo, Mela D. e Viviane.

Pela altura do lançamento do álbum, tive oportunidade de falar com o vocalista da banda que, numa breve conversa, falou da execução do álbum, dos motivos pelo qual a banda tenta sempre usar o reggae para demarcar uma posição ativista e do sucesso conseguido entre os PALOP.

Quase 10 anos depois do lançamento deste quinto trabalho, a banda continua em silêncio e, embora não se tenha separado, não há confirmação ou sequer certezas de que volte a presentear os fãs com um novo trabalho.

Goreti Teixeira (GT): Com “Guerrilheiro”, os Kussondulola escrevem mais um capítulo na sua música?

Janelo da Costa (JdC): Em Portugal, ser músico é muito difícil e temos de ser uns autênticos guerrilheiros. Temos de lutar, batalhar e ter muita crença para continuar. Mas este trabalho acaba também por ser uma homenagem a todos os músicos que até hoje têm feito música no mundo e acho que os Kussondulola encaixam bem neste título.

GT: Tem sido uma luta constante?

JdC: Sim. Falo directamente de nós, no entanto, é uma situação que abrange todos os músicos. Hoje em dia são muitas as dificuldades com que nos deparamos e não falo apenas ao nível da música, mas das artes em geral.  Angola tem também a floresta do Mayombe que está cheia de histórias de músicos que viveram nesse local, na altura da revolução, e temos um grande cantor angolano que tem um tema, intitulado “Guerrilheiro” que é um clássico da música Angola e acaba por ser também uma homenagem a ele.

GT: Uma vez mais apresentam um trabalho de grande comunhão de sonoridades?

JdC: O reggae teve uma evolução muito grande. Nós ainda estamos com a postura do root reggae, o chamado Bob Marley e os Kussondulola fazem um trabalho à volta desta cultura. O reggae tem muitos estilos e uma enorme variedade de sonoridades que nós acabamos por reunir. Aqui em Portugal, os músicos estão sempre a cruzar-se e o tema “Poeta do Povo”, por exemplo, é uma música que foi repescada do projecto Linha da Frente, em que participei. Portanto, é um disco que acaba por ser um apanhado de músicas de várias produções, porque sempre passaram muitos músicos pelos Kussondulola e, ao longo destes anos, fizeram-se muitas coisas.

GT: E, novamente, a família dos músicos portugueses é convidada a estar presente, entre eles, Paulo Gonzo, Mela D e Viviane?

JdC: Desde o primeiro disco dos Kussondulola, já lá vão 12 anos [disco editado pela primeira vez em 1995], que a intenção é ter sempre músicos convidados em cada projecto. A música é uma missão e não competição. No que me diz respeito, nós que estamos num meio tão difícil, temos que tentar ser mensageiros a 100 por cento e tentar transmitir a influência deste género de música, porque o ambiente hoje está um bocadinho pesado. Ainda éramos miúdos e o Bob Marley dizia que o reggae devia expandir-se pelo mundo e nós não podíamos ficar à parte. No circuito mundial, Portugal é visto como o diamante da Europa e temos sido bombardeados pela passagem de grandes nomes do reggae. Mas se reparar este estilo tem sempre convidados e já o Bob Marley quando cantava tinha ao seu lado o Peter Tosh e outros. Esta postura sempre existiu, porque o reggae é uma coisa na qual se tem de estar socialmente envolvido.

GT: Como é habitual, cada letra reflecte o descontentamento social e os valores morais. Infelizmente, a nossa sociedade é fértil em assuntos que são a matéria da mensagem dos Kussondulola?

JdC: Exactamente. Como músico e trovador sempre tive esse papel, porque a cultura é fundamental. Pode haver guerra, mas a arte está sempre presente e é a única coisa onde as pessoas se podem agarrar para tirar proveito disso. Quando se faz música esta é para as pessoas e é importante falar sobre esses assuntos, nem que seja para relembrar.

   

São temas actuais, entre aspas, porque o trabalho infantil, a prostituição, as dúvidas dos jovens são assuntos que já existem há muito tempo, mas lembramo-nos mais quando alguém os volta a focar e nós só estamos a pô-los outra vez em dia.

GT: Neste trabalho falam também que é um álbum que se relaciona profundamente com as crenças do livro da Bíblia e, no último tema, “Sou do Planeta” sublinham: “pessoas do mundo façam tudo de bom porque alguém lá em cima está observando”. Para o Janelo da Costa esse alguém tem estado atento ao trabalho que os Kussondulola têm feito ao longo destes anos?

JdC: De certeza. É um tema que também serve para nós. Quando uma pessoa tem fé e acredita que há alguém lá em cima a olhar para nós, dá-nos força para continuar.

GT: De que forma é que o público já tem reagido a este disco?

JdC: Dizem que é o melhor [risos]. Modéstia à parte as opiniões têm sido muito boas, falam da qualidade, da diversidade e é mais um capítulo na nossa carreira. Quando também se é rotulado de pioneiro no género cabe-nos a nós estar sempre à frente e ainda antes do álbum ser editado fizemos umas pré-tournées em vários bares para sentir a reacção do público.

GT: Foi a partir dessa experimentação que seleccionaram os temas para incluir no álbum?

JdC: Não todos, mas alguns foram tocados para posteriormente se tomar uma decisão. No entanto, houve outras músicas que ficaram de fora não pela música ou pela letra, mas porque era necessário manter o equilíbrio.

GT: Há pouco quando falou que são considerados os pioneiros neste género musical isso acaba por exercer uma certa pressão no vosso trabalho?

JdC: Não. Nós só agora é que começamos a ter mais abertura e mesmo assim o reggae ainda continua a ser uma música que não tem os seus próprios canais e, por isso, ainda não tem um grande poder. A cultura reggae ainda não é uma indústria e quando se faz música “underground” não existem tabus, porque o sentido passa apenas por querer fazer qualquer coisa, por querer criar. Acho que o papel do reggae é fazer música para ajudar os outros.

GT: Vocês afirmam que o movimento não é violência, mas existe preconceito em relação à cultura reggae?

JdC: Claro, porque não vivemos num mundo perfeito. Quando se tenta falar a verdade há sempre alguém que não a quer e isso dificulta o trabalho. Quando há muitos assuntos que geram controvérsia, e o reggae tem-nos, é difícil conseguir subsistir num sistema que está todo alinhavado, com regras próprias que são difíceis de mudar. No entanto, algumas barreiras têm sido quebradas, mas não é fácil e, por isso, não adianta pensar no sistema, porque quando se tenta fazer algo com verdade é sempre uma grande guerra. Tens de ser um guerrilheiro [risos].

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