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Dulce Pontes: “Para mim a música tem que trazer imagens”

Dulce Pontes: “Para mim a música tem que trazer imagens”

by Goreti Teixeira

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Dulce Pontes é uma das vozes mais importantes do panorama nacional contemporâneo. Entre os trabalhos mais recentes da artista está o álbum Focus, que contou com a colaboração do Maestro Ennio Morricone, e onde a artista interpreta alguns dos clássicos do compositor, assim como composições originais, compostas pelo Maestro especialmente para a voz da Dulce Pontes. Uma vez que foi gravado em Itália, este álbum conta temas cantados em português, inglês, espanhol e italiano.

best-of-dulce-pontesDe destacar ainda o álbum O Coração Tem Três Portas, lançado em 2006, o mesmo ano em que é fundada a editora Ondeia Música, criada e dirigida por Dulce Pontes.

Antes de tudo isto, em 2002, pela ocasião do lançamento do Best of Dulce Pontes, tive a oportunidade de entrevistar a artista e de fazer algumas perguntas que, para além do demonstrarem a sua faceta mais pessoal, revelam aquilo que está na essência da sua música e da sua personalidade enquanto artista. Uma conversa interessante, que não perdeu a atualidade e que agora volto a trazer à luz do dia.

Goreti Teixeira (GT): Consideras que a Amália Rodrigues é tua mãe musical e o Zeca Afonso o teu progenitor musical e isso nota-se nas músicas que cantas. Não me surpreende o gosto pela Amália, mas como é que te aproximaste do Zeca?

Dulce Pontes (DP): Nunca o conheci. A primeira coisa que ouvi dele foi Grândola Vila Morena, na altura do 25 de Abril, era eu ainda muito nova. Depois na fase de adolescente, numas férias em Vila Nova de Mil Fontes, havia um grupo de amigos que se juntava à noite na praia a cantar as músicas do Zeca e lembro-me de ter perguntado, ‘de quem são estas músicas?’ E foi nesse verão que comecei a cantar Zeca Afonso e a entrar naquele universo fortíssimo que era só dele. Lembro-mo do prazer que tinha em cantar o tema Venham mais 5.

Em relação a Amália… O interesse pela Amália começou mais cedo. Havia um disco lá em casa cujo primeiro tema era o Povo que Lavas no Rio. Amália sempre me comoveu. Aliás desde de muito pequenina, lembro-me quando ouvi pela primeira vez o concerto nº1 de Tchaikovsky, concerto para piano, de ter desatado a chorar de emoção quando chegou à parte do solo de piano. Infelizmente esta emoção é uma coisa que com o tempo vamos perdendo.

A primeira vez que ouvi a Amália cantar recordo-me de ter posto o gira-discos a tocar vezes sem conta aquele tema e de chorar de emoção pelas coisas que aquela música me transmitia. Mas voltando novamente a Zeca Afonso, durante uma certa época quase que não se ouvia falar dele. Lembro de quando gravei o Lágrimas tive perguntas do tipo: “Como é que você junta Amália e Zeca no mesmo disco, uma vez que são duas vozes completa e politicamente inversas? Ao que eu respondi: “mas isto não é política, é música”.

Recordo-me também de estar num programa de rádio e havia uma pessoa no Porto que estava a decidir que músicas iam ser tocadas. A certa altura comecei a reparar que ele estava a saltar todas as músicas do Zeca, até que a pessoa que me estava a entrevistar me disse: “este fulano por alguns motivos não passava música dele”. No entanto, penso que depois da homenagem que foi feita as coisas mudaram. Como diz a minha avó, o tempo encarrega-se de pôr as coisas nos lugares próprios, porque entretanto já uma nova geração se apaixonou plenamente por Zeca Afonso e existem novas pessoas a cantar fado. As coisas estão a seguir o seu rumo.

GT: Uma das canções que te lançou internacionalmente, designadamente ao nível do cinema foi a Canção do Mar, música de filme cujo o protagonista era o Richard Gere. Chegaste a conhecê-lo?

DP: Não. Houve a oportunidade de ir a Madrid, porque havia um programa de televisão e ele tinha dito que gostava de me conhecer, mas isso surgiu precisamente na altura em que tinha promoção marcada. Como tinha vários compromissos com uma série de meios de comunicação, não quis desmarcar as coisas de um dia para o outro.

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GT: Como é que tu conheces-te o Ennio Morricone, o compositor italiano que ganhou pelo menos um Óscar e fez mais de 650 bandas sonoras?

DP: O Ennio Morricone estava à procura de uma voz para interpretar o tema principal do filme Afirma Pereira, com o Marcello Mastroiani. Uma amiga dele veio a Portugal de férias, comprou o disco Lágrimas e ofereceu-lhe. Foi assim que o conheci. Mas o mais engraçado é que nessa altura estava em Amesterdão, a fazer promoção, e andava há séculos à procura do disco Era Uma vez Na América. Fui a uma loja e finalmente encontrei o disco e quando cheguei ao hotel tinha um fax dele a convidar-me para interpretar A Brisa do Coração. Foi uma coincidência incrível.

focus-mundo-de-musicasGT: E como é que decorreu o trabalho?

DP: Ele enviou-me uma cassete com a melodia tocada ao piano e pediu-me para gravá-la cá só com piano e voz. A orquestração viria mais tarde, porque em primeiro lugar ele queria ouvir a interpretação que eu fiz do tema a nu. O curioso é o facto de ele quando compõe grava o tema para uma cassete, o que de certa forma é fantástico porque depois conseguimos nos aperceber do salto qualitativo entre um demo e o resultado final. Para mim esta atitude é louvável, porque esta é a maneira correta de se trabalhar.

Entretanto fui para Roma, a um estúdio que fica nas fundações de uma igreja, e levei-lhe uma garrafa de Vinho do Porto. Como ele só fala italiano, tentei explicar-lhe por gesto que ele não podia abanar a garrafa e foi então que ele pegou nela e embrulhou-a num casaco como se fosse um bebé.

Depois ele deu-me a orquestração na véspera da gravação e fiquei a ouvi-la durante toda a noite. No dia seguinte, quando cheguei ao estúdio, experimentei o volume do microfone da voz, com o som da orquestra e gravei tudo seguido, num só take. Foi das poucas vezes que isso me aconteceu a um grau de evasão total, mas muitas vezes isso também depende dos estúdios e de com quem estás a trabalhar. Normalmente, uma entrega imensa, acontece mais naturalmente ao vivo, mas foi uma sensação incrível de comunhão. Modéstia à parte, entendo muito bem a música do Ennio e integro-a muito bem.

GT: É notório o gosto que os estrangeiros têm pela tua voz e pelas tuas canções. Isso quer dizer que as portas estão abertas lá fora?

DP: Não é só uma pessoa que faz a cultura de um país. Acima de tudo tenho imensa sorte de ter nascido portuguesa, porque é muito grande o legado musical que o meu país me oferece em todas as suas formas. E não falo só da Amália e do Zeca Afonso, falo também do folclore que parece ter caído em desuso. Não há nenhum país que apresente um folclore tão rico e variado como Portugal. Aliás, um dos trabalhos que quero fazer no futuro é um trabalho só sobre folclore, depois de fazer um só sobre fado. No entanto, quero que seja um disco aprofundado e não apenas o revisitar de alguns temas. Tem de ser uma coisa pensada para ir ao fundo das coisas, para as reinventar e trazê-las também autênticas como elas são.

É uma riqueza que não acaba e os estrangeiros reagem muito bem a isso… Há, no entanto, uma grave lacuna. As pessoas confundem muito o fado com o folclore, porque quando ouvem cantar em português dizem: “é fado”. Quando esta situação acontece tento sempre esclarecer as pessoas de que existem diferenças. Assim como se conhece folclore irlandês, não se conhece muito bem o português e uma das partes que mais me fascina no nosso folclore é a associação que se faz entre determinados instrumentos e cantares ao trabalho na terra. Existe ali uma coisa ancestral que não consigo explicar, mas que torna Portugal um país privilegiado e de certeza que existia ali influência de vários povos que não nos passam pela cabeça. Para mim são remniscências de outros sítios do planeta.

GT: As pessoas gostam muito de te ouvir, mas se te virem em cima do palco existe ali um efeito muito mais reforçado, porque além de cantares também danças. Na verdade quando estás em palco transfiguras-te?

   

DP: Agora danço menos porque tenho 15 quilos a mais (risos). Aprendi bailado e isso tem influência. Para mim uma coisa fundamental na música é o facto de quando componho e interpreto visualizo muito as coisas, porque a música também é imagem. Quando penso em arranjos ou tenho uma ideia geral ou estou a trabalhar com outras pessoas utilizo muitas metáforas. Por vezes é complicado, principalmente para as pessoas que não me conhecem muito bem, podem ficar com a ideia de que tenho uma perspectiva estranha das coisas e do mundo. Para mim a música tem que trazer imagens, tal e qual como determinadas imagens nos podem trazer música e aqui falo das pinturas, por exemplo.

GT: Tens cantado em vários países, onde é que encontras mais afinidades?

DP: É um pouco difícil de responder.

GT: Mas a reacção de um espanhol não é igual à de um japonês?

DP: É completamente diferente, assim como um espectáculo é sempre diferente do outro. É claro que existe padrões e o público espanhol é mais expansivo, ao contrário do público japonês que é extremamente educado e onde o silêncio impera. Os japoneses absorvem completamente tudo aquilo que estão a ouvir e a ver. Mas cada espectáculo é um espectáculo, embora existam traços gerais que se podem delinear entre as pessoas, mas não tem assim tanta influência quanto isso. Depois temos o público italiano que é fabuloso. Aliás os teatros em Itália são fantásticos para se cantar.

GT: Já cantaste em Florença.

DP: Já. É uma cidade lindíssima e Veneza também.

GT: Em relação ao Brasil, lembro-me que havia um programa apresentado pela Eugénia Melo e Castro e num deles estavas tu e a Simone. Nessa altura deste-lhe um banho no tema que cantaram?

DP: Gostei muito de cantar com a Simone, porque nós sentimos quando uma pessoa está mesmo a cantar connosco e com ela isso aconteceu. Em relação a outros cantores brasileiros cantei depois com o Caetano Veloso.

GT: Partilhas da ideia de que eles olham para nós um pouco de cima?

DP: Sinceramente não senti isso, muito pelo contrário.

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GT: Apesar deste best off aparecer numa altura um pouco precoce em relação à tua carreira, ele veio chamar a atenção das pessoas outra vez para aquilo que tu fazias e que vais fazer. Já se existe uma certa curiosidade em relação ao disco que veio a seguir?

DP: É verdade. Eu sei que não devia dizer isto, mas confesso que senti alguma tristeza com o lançamento deste best off, porque depois deste silêncio de três anos gostava de ter aparecido a dar coisas novas às pessoas…

GT: Compreendo a tua posição, mas o público tem uma posição diferente. No fundo, este disco traz outra vez uma série de sucessos.

DP: É normal, mas tenho pena que meu repertório não esteja todo na mesma editora, porque senão isto não acontecia. Compreendo a posição da Movieplay em editar este disco depois do tempo em que estive afastada e incluir uma música que não foi contemplada no álbum Caminhos. Não os posso criticar, porque estão a fazer o seu trabalho e têm o seu ponto de vista.

GT: Mas pessoas criaram uma relação contigo que não é de indiferença e elas querem saber o que tu fazes…

DP: É precisamente por haver esse amor imenso, que é recíproco, é que eu gostava de reaparecer a oferecer tudo aquilo que eu tenho de novo para dar.

Se estiver interessado em assistir a um concerto de Dulce Pontes, clique no LINK para receber um aviso quando a artista anunciar um concerto.

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