Vamos comemorar o centenário de Dalva de Oliveira, a Rainha da Voz?
Nascida em maio de 1917 no estado de São Paulo, Vicentina de Paula Oliveira ficou conhecida no Brasil e no exterior como Dalva de Oliveira, uma cantora de música popular que tinha uma das vozes mais lindas e uma carreira de maior sucesso, tendo sido considerada a Rainha do Rádio nos anos 50 e recebendo o reconhecimento de “A Rainha da Voz” pelos seus fãs e admiradores.
Iniciou a sua carreira ainda nos anos 1930, na cidade do Rio de Janeiro, onde conheceu seu marido Herivelto Martins com quem teve três filhos. Se por um lado, juntos eles protagonizaram uma das mais ricas parcerias musicais (formaram o Trio de Ouro com o cantor e amigo Nilo Chagas tendo, porém a voz de Dalva como a estrela principal do grupo), foram também os personagens principais de um dos maiores espetáculos dramáticos da música brasileira.
O Trio de Ouro foi um dos grandes sucessos brasileiros nos anos 40, tendo realizado até mesmo turnê pela América Latina.
Um dos primeiros sucessos do Trio foi a animada “Praça XI”, composição de Herivelto com Grande Otelo, de 1942, sendo escolhida como a música do carnaval daquele ano, ganhando da famosa “Amélia” de Athaulfo Alves. O tema da canção trazia uma preocupação daqueles anos, quando foi anunciado que iriam “acabar com a Praça XI”, um local no Rio que era reconhecido como um ponto de encontro da boemia e do samba, além de ser um lugar de referência histórica pela sua composição feita pelos negros africanos na época da escravidão.
“Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai (…)”
Outro sucesso foi “Ave Maria no Morro”, de Herivelto. Nesta gravação, Dalva teve a oportunidade de mostrar seu potencial vocal e a sua emoção ao interpretar uma Ave-Maria brasileira e popular. Este foi o seu sucesso mais regravado, responsável pela projeção de seu nome no exterior.
“E o morro inteiro
No fim do dia
Reza uma prece
Ave Maria…”
No Trio de Ouro, Dalva de Oliveira se destacava pela interpretação de sucessos como “Segredo”, “As Pastorinhas” e “A Bahia te espera”. Sem contar nos diversos filmes em que o Trio participou.
As brigas constantes entre os dois, as traições de Herivelto, os ciúmes de Dalva, as humilhações e violências recíprocas, puseram fim ao relacionamento. Os escândalos foram acompanhados pela imprensa da época que, vale ressaltar, foi a única beneficiada de todo aquele circo que ela própria ajudou a armar.
O processo de separação levou o casal a disputar pela guarda dos filhos, o que prejudicou as crianças que acabaram sendo mandadas para um internato, fazendo Dalva sofrer muito, entregando-se ao álcool e caindo em uma profunda depressão.
“Quando o infortúnio nos bate à porta
E o amor nos foge pela janela
A felicidade para nós está morta
E não se pode viver sem ela
Para o nosso mal
Não há remédio, coração
Ninguém tem culpa da nossa desunião.”
Na carreira artística, porém, Dalva deu a volta por cima e no início da sua carreira solo emplacou com a interpretação do samba “Tudo Acabado” de José Piedade e Osvaldo Martins em 1950. A canção fazia alusão ao processo de separação dos dois, assim como tantas outras que foram compostas sob encomenda para que Dalva desse suas respostas ao ex-marido através da sua voz.
Herivelto estava morando com sua nova mulher, mas o novo formato do Trio de Ouro, sem a sua estrela principal, não conseguiu atingir o sucesso de antes.
“Nosso apartamento agora vive à meia luz
Nosso apartamento agora já não me seduz
Todo egoísmo veio de nós dois
Destruímos hoje o que podia ser depois.”
Algumas músicas de Dalva que viraram sucesso como “Errei, Sim”, feita por Athaulfo Alves, e “Palhaço”, feita por Nelson Cavaquinho, trouxeram alguns versos que acabaram ofendendo Herivelto que, por sua vez, respondia às canções da ex-mulher com músicas tão ofensivas quanto, a exemplo de “Caminho Certo” e “Teu Exemplo”, onde insinuava traições da antiga companheira e onde descrevia a vida de uma estrela em decadência (apontamentos que não condiziam com a realidade da cantora).
Este período de ofensas musicais entre os dois ficou para a história como a maior briga musical da Música Popular Brasileira.
“Errei sim,
Manchei o teu nome
Mas foste tu mesmo
O culpado
Deixavas-me em casa
Me trocando pela orgia
Faltando sempre
Com a tua companhia (…)”
“Sei Que é Doloroso Um Palhaço
Se Afastar Do Palco Por Alguém
Volta Que a Platéia Te Reclama
Sei Que Choras Palhaço
Por Alguém Que Não Te Ama (…)”
(obs.: “Palhaço” é uma música de duplo-sentido: ao mesmo tempo em que chama faz referência à antiga profissão de seu marido – Herivelto trabalhava no circo quando eles se conheceram – também o ofendia chamando de palhaço).
Apesar de toda as músicas de Dalva carregarem um pouco de “indiretas” para seu grande e antigo amor, ela prosseguiu sua carreira e emplacou outros grandes sucessos, como por exemplo, a carnavalesca “Estrela do Mar”, em 1952. Aqui, se destaca a sua participação no filme “Tudo Azul” (de Moacyr Fenelon), lançado no mesmo ano que a canção.
“Se Houve Ou Se Não Houve
Alguma Coisa Entre Eles Dois
Ninguém Soube Até Hoje Explicar
O Que Há De Verdade
É Que Depois, Muito Depois
Apareceu a Estrela Do Mar”
Lançou em primeira-mão várias canções que se tornaram clássicos da música romântica brasileira devido a sua interpretação única: “Neste mesmo lugar”, de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas; “Saia do caminho”, de Custódio Mesquita e Evaldo Rui; “Kalu”, de Humberto Teixeira; “Fim de Comédia”, de Athaulfo Alves, “Olhos verdes”, de Vicente Paiva e “Calúnia” de Marino Pinto e Paulo Soledade.
Segue a interpretação ao vivo de um pot-pourri apresentado num programa de televisão dos anos 70.
“Já paguei todos pecados meus
E o meu pranto já caiu demais
Só lhe peço pelo amor de Deus
Deixe-me viver em paz (…)”
De voz lírica e com uma afinação impecável, destacava-se também pela sua versatilidade. Cantava com facilidade do clássico às marchinhas de carnaval. Cantava boleros, ritmo que vivia seu auge, como ninguém! Segue um de seus boleros, também um de seus maiores sucessos, “Que Será” (composta por Marino Pinto) que trazia diferente das demais lançadas na época uma declaração de amor ao ex-companheiro.
“Meu Amor
Ninguém Seria Mais Feliz Que Eu
Se Tu Voltasses a Gostar De Mim
Se Teu Carinho Se Juntasse Ao Meu (…)”
Também interpretou sucesso de outros artistas, tendo se destacado em todas as suas regravações, como no caso do bolero “Sabor a mi” e do samba-canção “A Noite do meu bem”, sucesso da cantora e compositora Dolores Duran, além de ter destaque em todas as suas versões de sucessos internacionais como no caso dos tangos “O dia em que me queiras” (El Día Que Me Quieras, clássico de Carlos Gardel) e “Lencinho Branco” (El Penuelito). Destaca-se também a versão do bolero “Lembrança” (Un recuerdo).
“Guardei teu lencinho, para me lembrar
O beijo que nele deixamos ficar
E ao ver os teus lábios
Choro a recordar
Que depois partiste pra não mais voltar”
Após superar os dramas vividos na primeira metade dos anos 50, Dalva se casou mais uma vez e foi morar na Argentina, onde adotou uma menina. O casamento, porém, não prosperou por menos de uma década e ainda no início dos anos 60 ela chegou ao Brasil, onde voltou a fazer sucesso.
Naquela década, seu filho Pery Ribeiro iniciou uma carreira de muito sucesso como cantor romântico, tendo sido muito premiado pelas suas interpretações de sambas e bossas.
Outro grande sucesso na sua voz se deu no lançamento de “Hino ao Amor”, versão de Odair Marzano para “Hynme a l’amour” de Édith Piaf.
A música que era sucesso na voz da cantora francesa, aqui no Brasil estourou nas rádios pela interpretação única de Dalva. Sua forma de cantar influenciou várias gerações de artistas que vão desde Ângela Maria (que a homenageou com um álbum em tributo) até Maria Bethânia.
“Quando enfim a vida terminar
E dos sonhos nada mais restar
Num milagre supremo
Deus fará no céu eu te encontrar”
Seu último grande sucesso foi em 1970, com a carnavalesca marcha-rancho “Bandeira Branca” de Laercio Alves e Max Nunes, dois anos antes de falecer aos 55 anos em decorrência de um câncer. Segundo fontes da época, quando o cortejo de Dalva passava pelas ruas do Rio em direção ao Cemitério Jardim da Saudade, todos paravam para acenar e cantar suas canções em coro. Suas últimas homenagens arrastaram uma multidão que queria dar seu último adeus a uma das maiores vozes da nossa música de todos os tempos.
“Bandeira Branca, Amor
Não Posso Mais
Pela Saudade
Que Me Invade
Eu Peço Paz
Saudade Mal De Amor, De Amor
Saudade Dor Que Dói Demais
Vem Meu Amor
Bandeira Branca
Eu Peço Paz.”
Em 1987, foi homenageada pela Imperatriz Leopoldinense (escola de samba carioca) com o enredo “Estrela Dalva” e em 2010, sua vida foi retratada na minissérie global “Dalva & Herivelto: uma canção de amor“, sendo interpretada pela brilhante atriz Adriana Esteves, enquanto Herivelto foi interpretado por Fábio Assunção.
As homenagens não param por aí! Neste ano, outras homenagens à Rainha da Voz estão prometidas, dentre elas uma nova homenagem do carnaval carioca no enredo “Rainhas do Rádio – Nas ondas da emoção, o Tigre coroa as Divas da canção!”, junto de outros nomes femininos que dividiam o Rádio com ela; haverá um documentário gravado pelo neto da cantora Bernardo Martins, com participações de Maria Bethânia e Elza Soares, além de um álbum que será lançado este ano para comemorar os 100 anos da cantora, produzido por Thiago Marques Luiz, contando com as releituras dos clássicos de Dalva por Ângela Maria, Leny Andrade, Zezé Motta, Dóris Monteiro, Ataulfo Alves Jr., Agnaldo Timóteo, entre outros.
Este é apenas uma Lembrança do Blog Mundo de Músicas sobre a maior estrela musical do Brasil: Dalva de Oliveira.
“Eu, sim, quero uma lembrança de ti
um doce beijo, um beijo ardente como o sol
que queime toda esta ansiedade de amor
Um beijo teu, um doce beijo
é uma lembrança que jamais esquecerei!”