Tina Turner, um ícone tangível num passeio à beira-mar
Quando vi a sair de dentro do Hotel Copacabana Palace no Rio de Janeiro e ouvi umas morenaças atrevidas gritando por ela, não resisti e avancei na sua direcção, longo vestido branco, um ramo de flores na mão para ofertar a yemanjá, deusa dos mares. Passavam poucos minutos da meia-noite do dia 1 de Janeiro de 1988, abeirei-me dela com uma doçura que a enterneceu, “happy new year miss Tina”, enquanto lhe pegava na mão e a beijava, falsamente comovente.
Ao olhá-la nos olhos estranhei ver uma mulher sofrida, confusa, qual sobrevivente de um batalhão de chulos que lhe tinham cruzado a vida com monumentais tareias, violações, caprichos, vexames racistas que lhe magoavam a cor da pele e a ascendência indígena.
Caminhámos em direcção à areia da praia, ela consentindo a minha companhia com um ligeiro abanão de cabeça na direcção dos seguranças que se aproximavam, irradiando um sorriso aparente maior que o Mundo, eu ainda no mesmo registo, recordando-a usada, manipulada, explorada desde aquela noite em que se apresentou num bar de Saint Louis onde um tal de Ike Turner dirigia uma orquestra de rythm’n’blues e atacou as curvas da menina, então com 17 anos, que se mexia melhor do que cantava, filão visual apelidada de bomba sexual.
Quando a voz marcada pelo génio me perguntou o nome, pareceu-me que estava envolvido num filme em que eu era um figurante a idolatrar a estrela que naquele momento não tinha nada do furacão que se imaginaria, não ondulava o corpo, não era a mesma “fêmea irresistível” nem a “Rainha do Ácido” de Ken Russel na ópera “Tommy” dos The Who.
Nas areias comemoravam-se rituais, acendiam-se velas, pediam-se bênçãos para o ano novo, parece impossível mas mais ninguém se aproximou da estrela em passos descalços e lentos rumo ao mar. Não vi gestos lascivos nem vislumbrei as “hot legs” mas saboreei-lhe a língua a passar-lhe pelos lábios, a temperatura a aumentar, eu a imaginá-la naquele concerto em Altmont onde terminou a performance com o microfone na boca, chupando a ponta como glande ou sorvete.
A negra poderosa que o branco racista sonhava possuir na cama passava-se em palco e quando chegava a casa apanhava porrada do marido, com o cinto e a fivela a marcarem-lhe o corpo. Jogou as flores ao mar, ajoelhou-se na areia, olhei-a uma última vez, cinderela, ícone, inacreditavelmente tangível.
Tina Tuner uma voz fenomenal rica em todos detalhes musicais.Trajetória sofrida pela vida, nos presentiou com grandes canções que nunca serão apagadas pelo tempo.