Gulag Orkestar: um mundo que cabe num só disco de Beirut
O álbum de que falamos neste post é uma mistura feliz que comprova o quanto a música pode evoluir graças a um mundo cada vez mais globalizado. O primeiro disco de Beirut chama-se Gulag Orkestar e junta várias influências: do jazz ao folk dos balcãs, passando pelos ritmos mexicanos e até mesmo portugueses. A miríade musical é o resultado das experiências pessoais de Zach Condon, mentor do projeto individual que mais tarde se transformou em banda.
Lançado em 2006, Gulag Orkestar causou algum buzz mesmo antes da estreia oficial. O disco, que é em grande parte um reflexo da personalidade do seu autor, começou a ser gravado em 2005. Todavia, o grosso das canções tinha já uma base prévia, trabalhada pelo jovem no seu próprio quarto. Nessa altura, Zach Condon frequentava a Universidade do Novo México, onde conciliava a música com o estudo de fotografia e português. Mas estes eram apenas três dos muitos interesses do músico apaixonado pelo mundo.
Nascido na cidade de Santa Fé (que é, aliás, o nome de uma canção de Rip Tide), Zach Condon dividiu os primeiros anos da sua vida entre Newsport News, Virginia, e a cidade onde nasceu. Na adolescência começou a tocar trompete, seguindo as linhas do jazz. Ao mesmo tempo, a ligação cultural do Novo México às sonoridades latinas fez com que se interessasse pelos géneros latinos mais tradicionais, como o mariachi.
O momento decisivo terá ocorrido aos 17, altura em que Condon decidiu deixar temporariamente os estudos para viajar pela Europa na companhia do irmão. Durante a aventura, o jovem absorveu culturas e ritmos que mais tarde o viriam a definir como músico. Mais do que um disco, Gulag Orkestar é, por isso, o ponto de encontro entre o tradicional e moderno num trabalho que reflete uma história maior do que o homem que a conta.
Com uma voz que não deixa antever a idade, Beirut oscila entre murmúrios cambaleantes e ritmos que nos ficam na memória. Atrás de sonoridades musicalmente ricas, escondem-se temas como a guerra (e aquilo que dela restou) ou a queda de cortinas que outrora foram de ferro. Aliás, a escolha do título Gulag Orkestar é elucidativa quer dos temas do álbum, quer das suas influências: como sabemos, os gulags foram campos de trabalho forçados da antiga União Soviética; por sua vez, e “orkestar” significa “orquestra” em sérvio.
Gulag Orkestar: uma viagem a bordo de canções
Gulag Orkestar abre com uma música com o mesmo nome. Num som que faz lembrar uma marcha, misturada com lamentos, não há lugar para muitas palavras. Toda a canção tem apenas 3 versos que se repetem:“they call it night, they call it night, and I call it mine” (“Eles chama-lhe noite, eles chamam-lhe noite, e eu chamo-lhe minha), que podem ser interpretados como os episódios da Guerra Fria e que ainda são uma parte importante da identidade dos países do leste da Europa.
Elephant Gun foi o primeiro single lançado pela banda. Com uma interpretação mais subjetiva, a música fala de alguém preso à idade, que se fosse “mais novo” abandonaria a cidade e “enterraria” os “os sonhos no chão”. Não o sendo, “bebe até morrer”, enquanto entoa gritos de “vamos derrubá-los”. A música pode ser associada à II Guerra Mundial, já que nesse período armas para matar elefantes foram usadas contra os homens nas trincheiras.
Do álbum fazem parte outros temas de identidade musical igualmente rica: Scenic World abre com sonoridades celtas; Bratislava transporta-nos para a capital Eslováquia em dia de celebração. O disco termina com Carousels, canção mais pessoal, onde Beirut fala sobre viagens e descobertas à volta de um “mundo cheio de trilhos” para seguir.
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Desde Gulag Orkestar, os Beirut já lançaram mais quatro álbuns. Em 2014, a banda atuou pela primeira vez na cidade que também lhes dá nome. Segundo Zach Condon, a escolha do nome não está relacionada com nenhuma posição política ou ideológica, mas sim com o facto de a cidade ter vivido bastantes situações de conflito.
Na altura pareceu-lhe fazer sentido uma vez que, além de ficar no ouvido, o nome da cidade era sinónimo de um ambiente cosmopolita no meio do mundo tradicional e muçulmano: um verdadeiro ponto de encontro entre culturas, credos e perspetivas. “Penso que é uma boa analogia para a minha música. O sítio onde as coisas colidem”, disse Zach Condon numa entrevista.