Tindersticks: à procurar de situações em que nos sentimos a cair
Num acesso de assombro isolo-me por entre 20 mil almas, muitas destroçadas, aninho-me, o peito desconcertado pousado nas coxas, se tivesse ali um buraco enterrar-me-ia nele. Não sei ao certo mas ainda hoje acho que foram as canções atormentadas dos Tindersticks que me deixaram naquele plangente estado.
Pelos vistos não fui o único supliciado pois no mesmo anfiteatro natural um actor de marionetas vomitava o jantar para cima da mal disposta da namorada acabada de aceitar a relação que não durou mais que o tempo de terem um filho. Enquanto o fogo de artifício anunciava o final da edição de 1998 do Festival de Paredes de Coura, do palco soava uma “Ballad of Tindersticks” à medida do sofrimento dos corações que não têm ninguém a quem se dar.
Elegante, fato verde bem vincado, Dave Boulter, o pianista, revelar-se mais tarde em perfeita sintonia com as flageladas canções que deixam o sangue a escorrer na alma como se ela estivesse afligida pela memória dos desencontros. Sentia eu na pele aquele perfume da paz dolorosamente violenta, da solidão e dos trágicos afectos, quando Dave agarrou subtilmente por traz a companheira checa de Praga, loura de cetim e rara beleza.
Stuart Staples está mais distante, pernas cruzadas e um charme inconfundível. Aproximo-me, subtil, falo-lhe das sensações tidas, a dor despertada pelas suas canções. “Deve ser porque nós estamos sempre a procurar situações em que nos sentimos prestes a cair. Para nós, essa possibilidade é extremamente excitante”.
O prazer da queda e um enigma por desvendar. Estes homens são um mistério. Do outro lado da mesa o violinista Dicckon Hinchcliffe conversa com Mark Colwil e Al Macauley, trejeitos de doçura feminina, quedo-me de novo junto a Boulter e sua adorável Veronika Boulterová: “Se as coisas correm bem, tocar ao vivo é como fazer sexo. Por vezes, não muito frequentes, chego a ter orgasmos. Literalmente”.
A beleza checa interpõe: “Outras vezes, quando as coisas correm mal, o desespero toma conta dele e só quer abandonar tudo”. O mesmo perfume tormentoso da melodia. A mesma solidão dos afectos. Como quem se deixa levar pela estranha penumbra sem se interrogar sobre a direcção a tomar.