Havia passado muito tempo. A noite fora demasiado longa sem que o Astro-Rei desse um vislumbre do seu brilho. E não foram “apenas” noites seguidas de escuridão, como acontece no Norte da Europa (origem da rapaziada em questão), mas foi um ocaso que durou… 18 anos.
A banda, entretanto, chegou desfez-se (empurrada pela morte do guitarrista Robert Burås), mas Sivert Høyem (voz) e Frode Jacobsen (baixo) decidiram terminar o derradeiro e epónimo álbum de estúdio, corria o ano de 2008.
Foi, de facto, uma noite demasiado longa, especialmente para os fãs, mas a luz acabou por brilhar e a (leia-se, os) Madrugada ressurgir do breu onde estava adormecida.
E em boa-hora Sivert Høyem, Frode Jacobsen e o baterista Jon Lauvland Pettersen se lembraram de regressar aos palcos para celebrar 20 anos de «Industrial Silence» (1999), álbum de estreia da banda norueguesa, e de visitarem Portugal, para gáudio da vasta legião de apreciadores que por cá habita.
Era muito isto que provocava a saudade que se sentia na atmosfera do Hard Club, no passado dia 11 de Maio, momentos antes do concerto começar. Ansiedade também, mas também um enorme entusiasmo.
Depois, a intensidade, também ela culpada de tanta saudade, tomou conta da sala. É que a música dos Madrugada (que, bem vistas as coisas, puxa um pouco para o meloso) ganha uma outra dimensão e… intensidade quando tocada ao vivo. Parece que ganha corpo e alma e, tal como um espírito inquieto, sai de si mesma e envolve tudo e todos.
A banda sabe-o e, por isso, o concerto no Hard Club foi uma espécie de mergulho num imenso mar de melodias densas e emotivas, constantemente “castigadas” por uma secção rítmica assertiva e guitarras extasiantes, rebeldes e apaixonadas.
É quase como estar dentro de uma bolha, onde a vida é apenas, e tão só, aquilo mesmo naquele momento em que nada mais importa!
E a verdade é que desta osmose entre saudade e intensidade, a noite acabou mesmo numa imensa felicidade! Olhar para os rostos de todas aquelas almas que lotaram a Sala 1 do Hard Club era ver neles estampado o sorriso da liberdade.
E a verdade é que “a liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo”, como diz o nosso grande poeta e músico Jorge Palma.
Posto isto, e já não é pouco, Sivert e os seus vikings (acresce ao trio Cato Thomassen e Christer Knutsen, nas guitarras e também teclados) serviram um delicioso «Industrial Silence», razão do regresso à estrada e tocado na íntegra na primeira metade do concerto, se bem que não pela ordem da edição de 1999.
Entraram fortes (e intensos, claro!) com «Vocal», «Belladonna» e «Higher» para, de seguida, entrarem por uma toada mais emotiva, sem nunca, porém, baixarem a fasquia em termos de… intensidade e dedicação.
A plateia já estava rendida antes do concerto começar e mais ficou com o desfiar de temas do álbum de estreia dos noruegueses.
Ouviram-se todos os temas que marcaram o debute discográfico dos Madrugada, entre os quais «Salt», «Norwegian Hammerworks Corp.» ou «Electric», que fechou a celebração de duas décadas de história.
Depois disso foi (mais) uma viagem, desta feita pelos demais discos da banda: «The Nightly Disease» (2001), «Grit» (2002), «The Deep End» (2005) e «Madrugada» (2008).
Viagem a um passado mais recente feito com uma banda-sonora marcada, entre outras, por «Black Mambo», «Honey Bee» ou «Majesty» e encerrar com «The kids are on High Street» e «Valley of deception». Lindo!
Diga-se que houve sempre uma enorme empatia entre o palco e a plateia, que esteve, desde início, em êxtase e, em algumas ocasiões, mesmo em delírio… colectivo. Então, Sivert inclina a cabeça e…
As coisas são como são e o regresso dos Madrugada foi recebido, por muita gente presente na plateia, como um verdadeiro milagre de Maio pelo que nada mais lhe restava do que entregar-se em seus braços. Na verdade, ninguém deu por mal gasto o tempo passado no Hard Club ao som dos Madrugada.
E não foi tudo! A noite teve um aperitivo de luxo. Um aperitivo que nem os restaurantes gourmet, com estrelas da marca dos pneus, são capazes de servir!
Falo-vos dos artistas da primeira parte da noite, os conimbricenses a Jigsaw. O duo, que foi durante muito tempo um trio, é formado por Jorri (teclados) e João Rui (guitarra e voz), que, no Hard Club, se fez acompanhar pela violinista Maria Côrte, mas não só (já lá vamos!).
A Jigsaw é uma das melhores bandas nacionais a fazer canções, com um repertório de grande qualidade, um jorro criativo que o duo trabalha, edita e publica a seu bel-prazer, criando e reinventando criações.
No palco do Hard Club, os a Jigsaw tocaram, essencialmente, canções do seu último álbum de originais, «No True Magic», de 2014, tendo, porém, aberto o concerto com «I’ve been away for so long» (do EP com o mesmo nome, editado em 2012). Foi o cartão de visita para alguns dos presentes, um «must» para os conhecedores/apreciadores.
O som dos a Jigsaw é uma fixação. A riqueza musical (chegaram a usar 27 instrumentos na gravação do álbum «Drunken Sailors & Happy Pirates», em 2011) é extraordinária, a referência literária (quase sempre) presente é muito enriquecedora e, depois, a voz forte, profunda e grave de João Rui a esculpir a sonoridade redunda em composições de uma consistência invulgar.
E, então… ao terceiro tema, «One right lie», rebuscado ao EP «Rooftop Joe» (2013), à voz forte, profunda e grave de João Rui juntou-se a maviosa de Tracy Vandal.
Bem, até ao fim foi um deleite. «Black jewelled moon», «No true magic», «Hardly my prayer» e «Bring them roses» confirmaram a extrema qualidade das criações e das sóbrias, mas fulgurantes interpretações dos a Jigsaw.
Foi o arranque perfeito (se é que isso existe!) para uma noite grandiosa que para muitos dos presentes no Hard Club terminou, num «after party», no Radio Bar, ao som do deejay Ivo T, a que nem os Madrugada Sivert Høyem, Frode Jacobsen e Jon Lauvland Pettersen quiseram faltar.
E, assim, se mataram saudades, se sentiu a intensidade (não só musical) e se experienciou uma imensa felicidade numa noite absolutamente fabulosa.
[n.d.r. – Pela parte deste vosso devoto escriba, quando o Sol nasceu tinha uma mochila cheiinha de felicidade… desbaratada à medida que as memórias vêm à superfície!].