Herbert Viana: se acontecesse uma tragédia conseguiria tudo de novo

Naquela noite de Março de um 2000 expectante, Herbert Viana chegou altivo no aperto de mão, a conversa quase que descambando na fluidez para um Brasil de irresolúveis contrastes, passados (des)unidos por laços de sangue incomuns e a música como propensão para unir universos dispares.

Na minha cabeça, como que enigmático fundo sonoro, repetia-se a mesma estrofe da “Lanterna dos Afogados” que me tinha arrepiado no concerto dos Paralamas do Sucesso minutos antes. A sensação era de desconforto, Herbert demasiado convicto de si, sério e distante, a mesma canção a martelar na cabeça agora na versão da falecida Cássia Eller.

No dia 4 de Fevereiro de 2001 o ultraleve em que Herbert seguia com a esposa, a jornalista inglesa Lucy Nedhan, caiu no mar. O músico ficou paraplégico e os médicos cogitaram que ele tinha “chances remotíssimas de vida”. Lucy morreu. Contaram-se boatos, que ele tinha feito umas piruetas para se armar, que foi displicente na manobra.

Herbert Viana mantinha-se vivo mas não se lembrava de nada e dificilmente reconhecia as pessoas. Mas recomeçou a tocar. Em pé, numa maca que lhe suspendia o corpo. Passados meses na cama do hospital informaram-no que pesavam sobre ele acusações de negligência, sendo apontado como o responsável da morte da esposa.

Quatro anos após o acidente, o Centro Aeroespacial da Aeronáutica Brasileira assinou o laudo que inocentava Herbert de qualquer culpa. O lote de fabricação da aeronave tinha um defeito mecânico que provocou mais nove acidentes, cinco mortais. O parecer serviu como reforço da acção de danos morais contra o fabricante do ultraleve mas não o fez voltar a andar.

Em Junho de 2002 regressou aos palcos, dedicou o concerto à mulher sem verter uma lágrima, exaltando a mesma confiança que, em 1995, o fez afirmar que “se acontecesse uma tragédia na minha vida eu conseguiria tudo de novo”. Mal sabia o significado dessas palavras, o humor banhado de tristeza.

A vítima e o herói que vive para além da tragédia. Dona Tereza, sua mãe, comovente, disse que Herbert chegou a morrer mas que Lucy, que pereceu afogada atada com o cinto da aeronave, lhe pediu que voltasse para criar os três filhos de ambos. Voltou e continua a tocar “Lanterna dos Afogados”, agora sentado numa cadeira de rodas.



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