Gabriel o Pensador de cadeira de rodas a cantar “F.D.P”, “F.D.P”, “F.D.P”

Daquela vez Gabriel o Pensador chegou a Portugal com a perna partida numa “peladinha”. Também por isso estava algo pálido e com os contornos de menino rico mais vincados. Conhecia-o de São Conrado, no Rio de Janeiro, onde cedo aprendeu a contornar o gradeamento do luxuoso condomínio fechado onde cresceu para ir curtir com os amigos da favela da Rocinha, uma das mais pobres do Mundo.

Desde tenra idade que o Gabi faz questão de derrubar regras sociais e preconceitos mas naquele fim de tarde revelava-se mais acutilante, sem o habitual sarcasmo a expor as feridas de um país “de bundas e bundões”. Na conversa chegou a elevar-se a bunda à categoria cultural, a reduzirem-se as mulheres ao traseiro e o Brasil à “bundalização”.

De rajada em rajada apontou “aos “F.D.P” dos políticos que estão matando o povo de fome e de vergonha”. Numa linguagem sem raça nem gueto também se manifestou decepcionado com os discursos infantis de rappers pseudo-revolucionários, vulgares utilizadores de discurso repetitivo para vender. “Essa onda de cara de mau a falar de violência com uma arma na mão não está com nada”, desdenhou, perna engessada em cima da cadeira.

Relatou-me a história de um menino que driblou a fome e a criminalidade com passes de mestre e que acabou por ir jogar na seleção e dar o título ao Brasil no momento em que um irmão, operário, confundido com um bandido, apanhava uns tiros num beco da favela. Gabi mescla real e virtual num espaço onde o caótico se mistura com a alegria de “uma gente muito burra” que vive na “porca miséria”. “Até quando vamos apanhar porrada?”, interrogava, deixando vir ao de cima os cheiros desagradáveis da desigualdade, driblando o caos social, as chacinas, os salários suados.

Subiu ao palco numa cadeira de rodas empurrada pela então quase esposa e menina do coro, o lotado Coliseu do Porto com bandeiras do Brasil e Portugal em alvoroço, palavrões colectivos à pátria que o viu nascer, energia e raiva juvenil destilada. Estava eu ali em frente ao palco, ele que me vê e coage: “Nelo, suba aí”. Meio sem jeito entrei na euforia colectiva entoando ao seu lado “Tô feliz (Matei o presidente)”, contundente e belicoso, como se estivesse numa pátria que é um “Quebra-cabeças” cheio de “balas perdidas”. Por esse episódio alguns ainda comentam: “Insólita foi aquela do Nelo ao lado do Pensador de cadeira de rodas a cantarem “F.D.P”, “F.D.P”, “F.D.P”.

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