Eddie Vedder: medos, raivas e paixões em fluxo constante

Quando uma vez perguntaram a Dave Grohl (ex-baterista dos Nirvana e actual líder dos Foo Fighters) se conhecia algum disco nas últimas décadas que tenha tido tanta influência como Nevermind, a resposta foi eloquente: “Claro que sim, brincas?! Sabes quanta gente canta como o Eddie Vedder hoje em dia? Depois dos Nirvana, não ouvi muitas bandas a soar como nós. Ouvi foi muitas bandas a soar aos Pearl Jam.”

Dave Grohl falava indirectamente de Ten, o disco que catapultou os Pearl Jam e Eddie Vedder para o reconhecimento global. Lançado em 1991, Ten vendeu mais de 10 milhões de cópias e foi apenas o primeiro de muitos discos que Eddie Vedder criou com a banda de Seattle. A observação de Dave Grohl encerra em si mesma um paradoxo no sucesso alcançado por .

Se a influência de um cantor se medisse pela legião de fãs e bandas que posteriormente mostraram veneração ao seu estilo, então Eddie Vedder era imbatível. Seja como for, o vocalista dos Pearl Jam é uma das vozes mais influentes da sua geração e existem boas razões para isso.

Todavia, tal como Kurt Cobain, o vocalista dos Pearl Jam nunca esteve preparado para o êxito global que conseguiu alcançar em tão curto espaço de tempo no ínicio da década de 90. Também rejeitou o epíteto de voz de uma geração, embora essas escolhas nunca fiquem a cargo dos artistas.

Na verdade, Eddie Vedder foi e ainda é um cantor excepcional, cujo estilo marcou não apenas uma, mas várias gerações. A solo ou com os Pearl Jam, Eddie Vedder é por isso um velho conhecido do público, sendo muito mais do que a voz inconfundível por detrás de álbuns icónicos como Ten, Versus, Vitalogy ou No Code.

Pearl Jam: como tudo começou

Edward Louis Severson III nasceu em 1964 na cidade de Chicago, Illinois. Filho de pais separados, cresceu a acreditar que era filho de um homem que, afinal, era seu padrasto. Apenas na adolescência descobriu quem era o seu verdadeiro progenitor, que por essa altura já tinha falecido. O período conturbado fez com que o vocalista se refugiasse na música e no surf. E foi provavelmente nessa altura que se definiu uma personalidade intrigante que motivou tantos seguidores anos depois.

Autor de letras emocionais e performances enérgicas em palco, Eddie Vedder conseguiu tocar no coração e espírito de milhões de pessoas através de uma postura autêntica e despretensiosa, que marca de forma indelével o repertório dos Pearl Jam e do cantor nos discos a solo que já editou.

A revista Rolling Stone afirmou uma vez que Eddie Vedder impactou tanta gente porque deu voz aos medos, raivas e paixões de uma geração. Felizmente foi muito mais além do que isso e durante mais de 20 anos de carreira conseguiu sempre trazer alguma luz dentro da escuridão para várias gerações através de músicas que não são de todo depressivas, nem angustiadas, mas que foram catalogadas como tal.

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Os Pearl Jam têm realmente alguma escuridão na sua génese e em muitos dos seus temas, tal como Eddie Vedder tem um passado familiar pesado com o qual lidou abertamente através da música. A banda nasceu das cinzas dos Mother Love Bone, cujo vocalista era Andrew Wood, que morreu de overdose de heroína em 1990, após o lançamento de um muito promissor disco de estreia, intitulado Apple. Os músicos que mais tarde formariam os Pearl Jam, o guitarrista Stone Gossard e o baixista Jeff Ament, ficaram devastados com a perda do cantor, que era à sua escala uma estrela rock glamorosa, com uma pose muito influenciada pela cultura excêntrica dos anos 80.

Na verdade, para cada um dos músicos foi também um sério revés na carreira, que teria de começar do zero novamente com outras pessoas. A história da entrada de Eddie Vedder nos Pearl Jam é por demais conhecida, com a famosa cassete onde gravou a sua voz por cima de músicas que mais tarde seriam conhecidas como Alive, Once e Footsteps. Não será exagero afirmar que depois da tragédia vivida pelos Mother Love Bone, Eddie Vedder foi um raio de luz para os outros elementos da banda. Mas o que gostava de realçar é como são antagónicas e opostas as personalidades de Andrew Wood e Eddie Vedder. Na verdade, não podiam ser mais diferentes na voz, postura e nível de excentricidade.

O facto de Ten (o primeiro disco dos Pearl Jam) ter sido gravado em simultâneo com o disco-homenagem a Andrew Wood, intitulado Temple of The Dog, imprimiu uma conotação espiritual muito marcada a ambos os discos e foi bastante influente para Eddie Vedder em toda a sua carreira.

O projecto Temple of The Dog era na verdade um super-grupo criado por Chris Cornell e Matt Cameron (vocalista e baterista dos Soundgarden respectivamente) em parceria com Stone Gossard, Mike McCready e Jeff Ament (os 2 guitarristas e baixista dos Pearl Jam) exclusivamente para homenagear Andrew Wood. Eddie Vedder assumiu o papel de co-vocalista, mas sobretudo vivenciou com os restantes elementos a expiação dos sentimentos profundos e dramáticos que viviam na época através da música.

Existem muitos pontos de união entre os dois discos. Primeiro, a sonoridade destes dois álbuns é bastante idêntico: partilham o produtor Rick Parashar, as gravações aconteceram no mesmo estúdio e com os mesmos instrumentos.

Segundo, são ambos registos da celebração da vida através da música, que marcou toda a carreira dos Pearl Jam e Eddie Vedder. E existe uma espécie de beleza luminosa nas canções dos dois discos, mesmo abordando problemas difíceis como a morte devido ao abuso de drogas, suicídio adolescente ou a vida dos sem-abrigo, como é caso do tema Even Flow.

As reinvenções de Eddie Vedder

Já li muitas análises filosóficas sobre a importância das letras de canções intemporais (como Alive, Black ou Even Flow), mas se algo define a música de Eddie Vedder julgo ser a capacidade de fazer rock autêntico e honesto às suas convicções. Acima de tudo, o vocalista dos Pearl Jam reinventa-se a cada disco, sem mudar o essencial da sua personalidade. Tal e qual como escreveu em Elderly Woman Behind The Counter In A Small Town: “I changed, by not changing at all”.

Figura de constrastes que venera Neil Young, The Who e The Ramones, encetou lutas emblemáticas além da música. É alguém que ganhou poder devido ao estatuto que alcançou e quando entendeu (demorou uns anos) como usar esse poder tentou contribuir para ir alterando o mundo à sua volta.

Existem várias fases distintas que marcam a carreira de Eddie Vedder. Após os primeiros anos em que se tornou uma personagem controversa, amado e odiado por muitos, o vocalista foi mudando, embora mantendo a integridade artística (seja lá o que isso for). Apreciador de um bom vinho (de preferência muito!), Eddie Vedder é para mim uma espécie de beatnick moderno em pele de rocker surfista que busca sublimar os valores em que acredita. E cuja abertura de espírito baseia-se em valores universais.

No percurso que realizou para ser quem é actualmente,  passou por várias fases distintas. No pico do sucesso reagiu com violência à fama súbita, mas após muitos episódios as mudanças no seu comportamento e atitude não modificaram o essencial. Qual é o verdadeiro Eddie Vedder?

O cantor eufórico que subia estruturas de palcos, recusava-se a fazer telediscos, lançava furiosos ataques contra a TicketMaster, provocava George W. Bush e proferia inflamados discursos anti-guerra? Ou a pessoa que apresenta canções intimistas sobre a Natureza, o Mar, a sociedade e a paternidade apenas acompanhado com um ukelele num palco? Entre um e outro vai uma grande distância, mas na sua voz, letras e harmonias, a intenção permaneceu sempre a mesma: iluminar os outros e transmitir emoções fortes.

No disco denominado apenas Pearl Jam de 2006, que assinalou uma espécie de encontro dos Pearl Jam com as gerações mais novas, existe uma canção em que o cantor aborda precisamente o trabalho interior que realizou e como optou por manter-se fiel a si próprio durante as suas lutas pessoais. Curiosamente, essa é uma das raras músicas dos Pearl Jam cuja letra não é assinada por Eddie Vedder, mas sim pelo guitarrista Mike McCready. Seja como for, considero que, além de uma bela música, esta é uma das letras mais introspectivas alguma vez cantadas por Eddie Vedder.

“I used to try and kill love, it was the highest sin

Breathing insecurity out and in

Searching hope, I’m shown the way to run straight

Pursuing the greater way for all human light

How I choose to feel is how I am

How I choose to feel is how I am”

Inside Job (Eddie Vedder)

A primeira visita de Eddie Vedder a Portugal

Curiosamente, Eddie Vedder tem uma forte ligação a Portugal, onde costuma fazer surf com amigos lusitanos. Habitualmente, alguns dias antes dos Pearl Jam chegarem a Portugal para mais um concerto, Eddie Vedder já está no mar da Ericeira a saborear o sol nacional. Dito isto, considero que por sorte vivo num país que Eddie Vedder adora. Isso significa também que os Pearl Jam visitam com regularidade Portugal.

A primeira vez que vi com os meus próprios olhos Eddie Vedder ele estava irreconhecível: estava vestido da cabeça aos pés como um Power Ranger! Foi no primeiro concerto da banda de Seattle em território português, mais precisamente no dia 24 de Novembro de 1996, no Pavilhão Dramático de Cascais.

A meio da actuação da banda que fazia a primeira parte dos concertos dos Pearl Jam na digressão europeia de 1996, entrou em palco um personagem da famosa série televisiva. Ninguém o reconheceu (era impossível) antes de começar a cantar. Quando abriu a boca e começou a cantar todas as pessoas no recinto compreendeu quem era. A voz incomum de Eddie Vedder inundou o espaço, num momento festivo pleno de humor.

Depois, durante o concerto, os Pearl Jam exibiram um lote de canções memorável, num espectáculo que mostrou porque razão sempre foram considerados uma banda excepcional ao vivo. A entrega e intensidade de Eddie Vedder chegou ao ponto de subir a estrutura lateral do palco, bater com uma vassoura no tecto do pavilhão, e lançar-se para o público. A noite acabou para ele no hospital, segundo contam as crónicas.

Foi um concerto memorável, mas no dia a seguir… havia já outro concerto dos Pearl Jam. Que também foi inesquecível e tão ou mais intenso ainda do que na noite anterior. E felizmente desde então Eddie Vedder e os seus pares não mais deixaram de incluir Portugal na sua rota de digressões.

Assistir a um concerto desta banda é realmente uma celebração e uma experiência muito boa (quem já viu sabe do que estou a falar). Todavia, sempre que vejo os Pearl Jam num concerto em Portugal constato um fenómeno interessante: é quase impossível ouvir Eddie Vedder na maioria das canções. O coro do público costuma ser tão alto, tão forte, tão cantado a plenos pulmões, que muitas vezes ouvir a banda e o vocalista é tarefa difícil.

Não há “yeahs”, nem “uus” que não sejam também ditos pelo público nacional quando se trata de acompanhar os Pearl Jam. Sinceramente apenas assisti ao mesmo fenómeno de devoção extrema em concertos de outra banda notoriamente marcante: também em cada concerto dos U2 os lusitanos assumem milimetricamente o papel de vocalistas da banda.

Acredito sinceramente que tal acontece porque as músicas dos Pearl Jam significam muito para muitas pessoas. (E é sensacional ouvir a comunhão entre banda e público!).

Eddie Vedder no camarim do Pavilhão Atlântico, setembro de 2006. Vemos Saca (garrafa na mão), Tiago Oliveira, do Ribeira Surf Camp (boné ao contrário); atrás, entre Eddie e Tiago, Miguel Fortes, surfista português; de braços no ar, Will Henry, fundador da Save The Waves Coalition. CRÉDITOS DA FOTO: CÉSAR TORALES

Ao mesmo tempo que sempre achei a voz de Eddie Vedder portentosa e particularmente especial, acredito que é sobretudo potencializada de uma maneira muito inteligente. Tem um vibrato incrível e muitas outras qualidades, mas não é certamente um cantor com swing (como Mick Jagger), ou multifacetado (como Mike Patton), nem sequer capaz de fazer truques vocais elaborados. Contudo, possui profundidade, intensidade e sensibilidade para cantar com alma equivalente às maiores vozes da história do rock.

Sem aquelas letras que canta, sem as fortes convicções pessoais, sociais, artísticas e políticas que emanam do repertório de Eddie Vedder, talvez as músicas cantadas pelo vocalista não fossem tão influentes hoje em dia. Mas, sobretudo, sem a mensagem realista e positiva de uma certa forma de viver que encaixa na perfeição com a sua voz portentosa, Eddie Vedder não seria alvo da admiração geral e considerado um dos mais admiráveis cantores da história da música.

“When something’s dark, Let me shed a little light on it

If something’s cold, I wanna put a little fire on it

If something’s old, I wanna put a bit of shine on it

When something’s gone, I wanna fight to get it back again”

The Fixer (Eddie Vedder)

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