Dell Glover: o homem que vazava álbuns de música
Quem acompanha minimamente a indústria musical sabe que uma das piores coisas que pode acontecer a uma editora e a um artista é o vazamento de um álbum novo, na Internet, nas vésperas do lançamento oficial. Após meses de promoção para que o álbum faça sucesso assim que chegar ao mercado, todos os esforços ficam arruinados quando, como que por magia, o álbum aparece integralmente na Internet, pronto para ser ouvido gratuitamente.
Já foram vários os artistas a sofrer ataques deste género. No final de 2014, por exemplo, Madonna viu o seu álbum Rebel Heart aparecer na Internet a poucos dias de chegar às lojas. Nas redes sociais foi demonstrada a indignação dos fãs – e da própria artista – mas entretanto as faixas foram sendo descarregadas até se registarem milhões de downloads.
Isto lança então a base para uma pergunta pertinente: Como é que começou todo este fenómeno de se vazarem álbuns para a Internet antes do lançamento? Como se a ‘epidemia’ da partilha de ficheiros MP3 já não pusesse em risco a indústria musical, existe uma outra ameaça que volta e meia falha as medidas de segurança das editoras.
Bem, tudo começou com um homem e esse homem chama-se Dell Glover. Quem? É provável que nunca tenha ouvido este nome. Não se trata de alguém conhecido dentro da indústria musical. Não estamos a falar de um executivo que tenha alcançado cargos de topo em editoras de música norte-americanas. E não, também não se trata de um artista ou ainda de um jornalista especializado na temática do entretenimento.
Quem é afinal Dell Glover?
Tudo começou em 1994 quando Dell Glover conseguiu uma posição como funcionário temporário da Polygram – responsável pela produção dos tão aclamados CD’s, que começavam a revolucionar a indústria nos anos 90. Porém, em vez de trabalhar em escritórios, Dell Glover tinha como local de trabalho a fábrica em Kings Mountain, na Carolina do Norte, onde empacotava os álbuns que seriam, posteriormente, enviados para as grandes superfícies comerciais.
Por esta altura, movido pelo desejo de subir na carreira, era recorrente para Dell Glover frequentar festas organizadas por outros colegas de trabalho e executivos musicais. Além da festa em si, era uma excelente oportunidade para se fazerem novos contactos dentro da área. Numa dessas festas, algo lhe chamou a atenção: parte da música que passava pertencia a artistas que ele conhecia… mas tratavam-se de faixas inéditas ainda por lançar. É assim que Dell Glover percebe uma das particularidades do seu emprego: a possibilidade de ‘levar para casa’ álbuns que não tinham chegado às lojas – mesmo que violando os termos de confidencialidade impostos pelo contrato de trabalho.
Além de música, havia outros interesses na vida de Dell Glover e um deles era o mundo dos computadores. Na década de 90, os computadores e a Internet ainda procuravam o seu lugar no mundo. Ainda assim, Dell Glover não tardou a encontrar as famosas salas de chat na Internet, que se dividiam conforme diferentes temas, e a participar ativamente em alguns grupos de hackers.
É desta forma que descobre softwares – os burners – que lhe permitem fazer cópias inteiras de álbuns e de os replicar em CD’s virgens, para que assim possam ser vendidos de forma discreta e a um preço mais acessível do que o álbum original. Sem dúvida de que Dell Glover viu aqui uma excelente forma de ganhar uma renda extra para além do trabalho.
Um império de cópias ilegais
Não foi difícil para Dell Glover encontrar um grupo de hackers que assumia como compromisso colocar conteúdos em primeira mão na Internet. Em 1996, com o aparecimento do MP3 – um formato que comprimia ficheiros áudio e facilitava a partilha de música – inicia-se na Internet uma nova ameaça para as indústrias. Como seria de esperar, não tardaram a surgir hackers especializados na divulgação de ficheiros MP3. A música Until It Sleeps dos Metallica é o primeiro lançamento feito por hackers.
Mas não é a única música a ser divulgada desta forma. À medida que outras músicas começam a chegar à Internet, Dell Glover começa a questionar o valor do CD. Se era possível aceder a conteúdos musicais de forma gratuita, porque haveriam as pessoas de pagar 14 dólares por um álbum? O mesmo potencial é compreendido por outros utilizadores que não tardam nada estão a criar plataformas de download de músicas, como oINK e o Napster.
Após a venda da Polygram à SeaGram Company, em 1998, a fábrica onde Dell Glover trabalhava começou a produzir álbuns de artistas da Universal Music Group. Por esta altura, a editora contava com nomes como Jay-Z, Eminem, Dr Dre e Cash Money! – artistas de vanguarda no estilo hip hop que se tornou popular no arrancar do novo milénio.
É então que, num dos chats em que participava, Dell Glover se cruza com um hacker que se dá pelo nome de Kali e que tem uma proposta para ele: Dell faz upload de álbuns exclusivos que consegue sacar da fábrica e em troca recebe acesso ilimitado a uma série de conteúdos de entretenimento, dos quais não tem de pagar. Esta é uma proposta irrecusável para Dell Glover que transforma o seu negócio ‘caseiro’ da venda de álbuns duplicados em algo muito maior: a comercialização de CD’s com filmes e até mesmo jogos de Playstation.
O desfecho e a sentença
Em 2001, Dell Glover é um verdadeiro rei dos vazamentos musicais. A seu cargo está o vazamento, por exemplo, do álbum 500 Deegreez de Lil Wayne e The Blueprint de Jay Z. Segue-se ainda o lançamento do álbum de estreia de 50 cent, intitulado Get Rich or Die Trying que, ao ser o mais vendido do ano, lança a carreira obscura de Dell Glover.
Dell não podia, no entanto, levantar suspeitas. Ao começarem a ser aplicadas medidas de segurança às fábricas, para garantir que nenhum álbum era roubado, Dell Glover começou a contratar vendedores para os álbuns que continuava a produzir a partir de casa. A cada dia, havia mais dinheiro a entrar e Glover construía o seu pequeno império enquanto mantinha uma vida dupla: durante o dia era um funcionário comum da SeaGram, durante a noite era o maior pesadelo da indústria musical. Em 2002, tinha feitos cópias de mais de 500 álbuns.
A aventura ilegal de Dell Glover terminou abruptamente em 2009, quando foi capturado pelas autoridades. Em outubro do mesmo ano foi apresentado em tribunal onde se confessou culpado da violação consecutiva de direitos de autor. A sentença que lhe foi aplicada, surpreendentemente, valeu-lhe apenas 3 meses na prisão… apesar de ter custado milhares de milhões à indústria musical.
Adorei o post. Esse cara era um verdadeiro gênio do mal! Devia ganhar muito dinheiro sujo com isso.
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Olá Emerson!
Muito obrigado pelo comentário. Dell Glover teve um sentido de oportunidade incrível e sim, foi mesmo um verdadeiro génio do mal. Mais assustador ainda é saber que já está em liberdade.
Cumprimentos