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Xana dos Rádio Macau: uma mulher louca mas muito fixe

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Xana dos Rádio Macau: uma mulher louca mas muito fixe

by José Manuel Simões

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Quando a Xana dos Rádio Macau me ligou quase em cima da hora da entrevista a dizer que não ia poder comparecer ao encontro porque tinha tido um acidente, achei que ela me estava a mentir.

“Acidente?”, indaguei-a, incrédulo, também influenciado por uma amiga que me tinha confidenciado horas antes que “a Xana é muito louca”.

“Sim, um acidente, estampei-me contra um autocarro, uma confusão”, justificava, exausta, apressada, a querer despachar-me; e eu a achar que não podia ser assim, que quase não tinha dormido para estar com ela à hora marcada, ainda mais nem sequer carta de condução tem… “Era o meu pai que ia a conduzir, coitado, foi apertado por um taxista, dói-me a anca, estou no hospital, vou descansar, encontramo-nos amanhã”.

Fiquei pior que estragado mas para não continuar naquele registo chato sorri ao lembrar-me de uma noite de chuva torrencial no Festival de Paredes de Coura em que os deram um concerto memorável. Horas depois, tocavam os Morcheeba, Xana aproximou-se de mim, puxou-me para junto dela, iniciou-nos numa dança, um passo tangado para lá outro para cá, a chuva a penetrar-nos até aos ossos, o povo que faz uma roda à nossa volta, a mão dela que larga a minha, eu que não a consigo segurar, a Xana a escorregar pelo anfiteatro natural abaixo, eu atrás, aturdido.

Agarro-a finalmente, ela toda enlameada, alguém que comenta ao nosso lado: “É a Xana, está muito louca”. Abraço-a, os dois conspurcados, a chuva que se intensifica, ela a chorar no meu ombro, eu ainda mais atarantado, acaricio-lhe o cabelo molhado, comovo-me também.

   

Nisto, ela desprende-se, corre e desaparece no meio de várias mil almas resistentes à intempérie. Nunca mais a voltei a ver até ao dia em que chegou ao Largo do Carmo a mancar ligeiramente, um saco na mão com uma série de álbuns de fotografias de quando era pequena, as mesmas olheiras que, “ao contrário do que as pessoas pensam, não são da droga”.

Tinha tido um acidente. Lamentei ter duvidado. Ali mesmo, no largo, enquanto tomávamos um chá verde, confessou-se, profunda, com rara frontalidade e amor à verdade: “sim, fiz um aborto, sim, tomei drogas, sim, quando dancei contigo estava muito mal por causa do Zé Pedro”.

Fui apanhar o metro ao Chiado com a imagem dos seus olhos verdes, um filme real na cabeça e a sensação de que a Xana era uma pessoa muito fixe.


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