Naquele Carnaval de São Salvador brasileiro do início dos anos 90, Daniela Mercury era a bomba do momento. Física e vocalmente, as coxas em ritmo alvoraçado, o peito hirto quase desnudado, a garganta meia rouca de prazer. Fui atrás do trio eléctrico acompanhando uma multidão frenética, o sangue da negritude ao rubro, os cantos em uníssono, mãos erguidas em ondas, os gestos lascivos e sensuais da cantora deixando ao rubro as hostes que exaltavam, desvairadas: “Ah…eu tô maluco, ah…eu tô maluco”.
Na insanidade do momento agarrei-me a uma jovem morena esbelta, ela a mim, as bocas húmidas que se entrelaçaram fogosas, a mão esquiva percorrendo-lhe o corpo meio nu, encosto-a a uma árvore de esquina, trepo-a por mim acima, um gemido sumido, já estava, coisa esquisita de tão rápida, desço de novo a túnica creme de padre com que estava fantasiado, ninguém pareceu reparar. De mãos dadas com a moça de quem nem sabia o nome, corremos em direcção ao Pelourinho onde Daniela Mercury já devia ir empoleirada no palco montado em cima do camião.
Menos de uma década depois veio a Portugal com um platinado , seis concertos seguidos nos coliseus de Lisboa e Porto todos esgotados, encontrámo-nos para uma entrevista, cumprimentámo-nos com dois beijinhos no rosto quente, o peito que se abeirou do meu, uma súbita excitação que me fez corar. Falámos, não sei bem de quê, samba-roda e samba-reggae, ritmo, emoção, raiz.
Surpreendeu-me o seu parco 1,62 metros, os cabelos longos e ruivos, qual juba de leão, signo com que nasceu. Eu meio sem jeito, ainda excitado, ela mais firme, os mesmos modos com que afina o desejo popular, a mesma sedução emanada da voz.
Nessa noite fui ao seu concerto, ouvi a canção da novela “Rei do Gado”, o povão saltando ao ritmo de metais e percussões, milhões de palmas ainda mais intensas quando ela voltou com um vestido ainda mais curto, cantando “Você Abusou” enquanto maneava as pernas, sorrisos de satisfação com a performance vulcânica, quase todos conquistados com aquela curiosa dimensão para a alegria.
Às tantas fartei-me da histeria desmedida, do apelo aos sentimentos mais básicos, dos refrões fáceis de decorar, do coliseu transformado em aula de aeróbica e, num impulso, ainda nem o concerto ia a meio, decidi ir embora, sozinho, atravessando a multidão com ar de desdém.