“Polícia pára quem precisa de polícia”, os Titãs e a minha culpa
Naquele dia 6 de Setembro de 1999 cometi uma desmedida violação ética. Poderia me tentar justificar com os constrangimentos da produção jornalística, a problemática relação entre jornalistas e fontes, a inatingível objectividade, a ténue fronteira entre espaço privado e público, até o empolgamento de quem faz a cobertura de um festival de música com os índices de emoção ao rubro. Nada iria atenuar o crime.
O título da crónica – e de uma das músicas dos Titãs – “Polícia pára quem precisa de polícia”, já indiciava o pior dos sensacionalismos, mas quando um colega de profissão brasileiro, o meu querido Martinho Santafé, criticou a abordagem, essencialmente a frase “cheiram muito e estão cada vez mais fora de órbita”, limitei-me a responder: “eles sabiam que sou jornalista”.
Na altura, duplo pecado, não me toquei, e só mais tarde, na redação do Jornal de Notícias, quando o correspondente europeu da revista Bizz telefonou para me entrevistar sobre o assunto é que percebi a dimensão do erro. Porque, no caso concreto, me limitei a acreditar na aparência e na palavra de uma das pessoas que acompanhavam a banda para levantar falsos ou não confirmados testemunhos.
O fato de Nando Reis estar “completamente alucinado ao ponto de trocar a mão com o rissol pela que tinha o isqueiro que enfiou na boca”, ou de Paulo Miklos “beijar toda a gente, especialmente homens” – quando na verdade só deu um beijo carinhoso no rosto de um amigo que lhe apresentei – não pode ser transformado num texto satírico que realça o comportamento de “um verdadeiro bando de loucos brasileiros em encontro alucinado com o JN em Vilar de Mouros”.
Quando, no final desse ano, vi o título “Titãs, a difamação internacional”, na primeira página da revista, fiquei revoltado comigo mesmo, achei que não era digno de ter um instrumento nas mãos que permite a qualquer um escrever o que lhe passa pela cabeça. Culpei-me, envergonhei-me, “Deus queira que me perdoem”. Traí a confiança de músicos que admirava, que tinham influenciado o meu comportamento com a sua música visceral, impositiva; que me fizeram cantar quase em devoção “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Quando Marcelo Fromer foi atropelado mortalmente por uma mota, chorei. Chorei de saudade, de mágoa, de dor por nunca lhe ter pedido perdão.