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Mão Morta@Manta 2018: De tapete voador por um frio que ainda está por sentir

Mão Morta@Manta 2018: De tapete voador por um frio que ainda está por sentir

by Pedro Vasco Oliveira

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Ela chegou, olhou em volta e procurou um espaço livre, uma pequena clareira onde ainda nenhuma manta estivesse estendida. A massa humana nesse momento encontrava-se difusa, acabara a primeira actuação, mas ela estava focada apenas nos Mão Morta. Fã incondicional há muitos anos, não podia deixar de marcar presença. Aliás, a organização anunciara que aquele seria um concerto especial, «encomendado» para o Manta.

Guimarães. Dia 7 de Setembro de 2018. Anfiteatro natural no exterior do Centro Cultural Vila Flor. Primeiro dia da edição 2018 do Festival Manta.

Quando ela chegou já muito do relvado estava ocupado por mantas com gente, mantas sem gente ou apenas com gente. A noite estava idílica, a temperatura para lá de amena e a plateia para lá de composta.

O início do concerto da banda vinda de Braga foi pelo que ainda está para vir.

Passo a explicar: Há álbum novo na forja e o que se ouviu na abertura da actuação dos Mão Morta no Festival Manta 2018, em Guimarães, foi precisamente um cheirinho do que está a ser moldado.

Tocados de seguida, num registo ambiental e sempre remetendo para cenários envoltos em baixas temperaturas, os temas foram apresentados por Adolfo Luxúria Canibal como “quatro módulos do que nós, para já, chamamos de ‘Frio’”.

Estonteada com o que estava a passar-se, ela ganhou brilho. De seguida, «Tiago Capitão» agarrou, definitivamente, a plateia (se é que já não estava) depois da surpresa (a) «Frio».

Para deleite dos presentes ouviu-se um dos seus hinos, tantas vezes proscrito dos alinhamentos ao vivo: «Chabala».

“Quem matou a chabala, chabala?”, sussurra ela entre dentes, cantando e preparando-se para uma ida ao rápida ao bar.

A esta altura os Mão Morta já tinham mostrado ao que iam e o resultado era um concerto como poucos dos muitos que a banda já deu, especialmente pelo registo em que a actuação correu.

Bem, pode parecer paradoxal para quem desconhece o verdadeiro míster da banda, mas o que se ouvia era verdadeiramente lindo e ela, serena e focada, desfrutava.

De tapete voador

«Carícias malícias», melodiosamente maliciosas, e um «Sitiados» de levar a plateia à beira do abismo e ficar com vontade de saltar prolongaram a sensação de levitação que ela sentia. Era como se a manta em que se sentava fosse um tapete voador e o que ouvia a levasse até uma das melhores mil e uma noites… de rock.

Ouvem-se, então, os acordes de «Pássaros a esvoaçar» e ela, calmamente, fecha os olhos e deixa-se… esvoaçar!

“Hei, rapariga, porque arrastas os pés pela calçada?”, canta Adolfo naquele que, para ela, é um dos temas mais delirantes da banda, muito pelas sensações que lhe provocam.

E mal sabia ela que, ao sentir alguém sentar-se a seu lado e ao abrir os olhos, tinha Adolfo, sim, o Luxúria Canibal, a seu lado sentado na relva. E assim, unidos no voo, não sem antes ela cerrar novamente os olhos, fruíram o esvoaçante devaneio dos restantes Mão Morta.

A seguir, provavelmente, o momento mais hostil da noite. Também «Destilo ódio» presta-se a tal, mas mesmo assim o tema foi envolto num manto delicodoce, de cores um pouco esbatidas, semelhante à manta em que ela se sentava.

“Odeio-te, morte mansa que forras de veludo as paredes desta alcova”, ecoou-lhe na cabeça.

   

Foi o momento de catarse para todas as almas atormentadas que gostam de Mão Morta e ali assistiram a um concerto de fino recorte, imbuído de um espírito melancólico, que não depressivo, e de uma doçura musical… que ela nunca tinha ouvido ao vivo.

Era a beleza do ódio em todo o seu esplendor.

A escolha e alinhamento dos temas eram a grande prova do que ela pensava e sentia e, então, quando se ouviu «Tu disseste»…

Aos primeiros acordes fechou os olhos novamente, deixou-se levar na agrura da voz de Adolfo e mergulhou na conversa: “Agora procuro o desígnio da vida. Às vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon. Escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo. Depois queimo tudo e prossigo a minha busca”.

E assim foi, ambos prosseguiram a sua(s) busca(s) até que… “Distraído por um pensar, que me turba o andar, penso que penso e fico a ouvir-me a pensar… que penso que penso”.

E, agora, de olhos bem abertos, dir-se-ia mesmo esbugalhados, ela sorvia «Penso que penso» até estremecer com o cavernoso “estou farto de mim!”.

E eis que para fechar a actuação se ouve outro dos grandes hinos dos Mão Morta: «Aum».

Percorrendo o ciclo da frágil e efémera vida, em «Aum» a banda leva-nos do cemitério até à maternidade, por entre ruas e ruelas, lembrando-nos que “o tempo não espera” por ninguém.

Ela sabia disso e, por isso mesmo, estava ali, sentada na relva a desfrutar de mais um excelente concerto de uma das suas bandas de eleição.

E como ela não era a única, os Mão Morta tiveram que voltar ao palco e sossegar as almas presentes.

Ouve-se, então, «Velocidade escaldante» e todos, ou quase todos, se deixam ir nesse “retorno extemporâneo aos verdes anos”.

O público não negou aplausos à actuação “deslumbrante”, achava ela que pensava repetidamente: “Lindo! Lindo! Lindo!”.

Enquanto parte do público abandonava o espaço, outro tanto manteve-se pela verdejante plateia, entre copos e conversas.

Passado algum tempo, ainda deleitada com o que assistira, ela recolheu e dobrou a pequena manta, terminou o copo de tinto e, intrometendo-se num grupo de gente, dirigiu-se a Adolfo e, sorrindo, disse: “Olá, eu sou a Sara e… odeio-te!”.

[n.d.r. – Qualquer semelhança entre Sara e a realidade é pura ficção, tudo o resto é factual e… opinião].

Fotografia: Hélder Costa Real

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