Como, desde adolescente, primo por uma postura socrática que faz do lema “na humildade é que reside a sabedoria” uma lição de vida, obstou-me o convencimento e a atitude do tipo “chefão” e pinta de “manda-chuva” de Boss AC. Estava frio mas ele cobria o tronco musculado com um t-shirt branca fina, um colar prateado grosso ao pescoço, um anel com as suas iniciais apontado com a mão cerrada à lente da câmara fotográfica.
Aquilo até poderia ser só fogo-de-artifício, do tipo insolente para esconder a timidez, mas foi tantas vezes petulante nas respostas que tomei como certo que o rapaz era o oposto dos seus parentes reggae dos One Love Family ou da mãe Ana Firmino.
Fui encontrá-lo num show case na loja Valentim de Carvalho do Norte Shopping, em Matosinhos, onde o entrevistei. Na altura estava a lançar o álbum “Mandachuva”, que sucedia a uma série de “cameos” em registos de General D, do Delfim Fernando Cunha ou dos hoje consagrados Da Weasel. Percebi de imediato que tinha tanto, ou mais, de arrogante do que de talentoso. Lembro-me de ter proferido, altivo: “Fui protagonista do álbum “Rapúblika”, gravei com Troy Hightower nos Estados Unidos, vou ter o meu nome gravado na história do hip hop nacional”.
No tal disco, “Mandachuva”, há uma introdução onde José Marino, da Antena 3, “bombardeia” o entrevistado, o próprio Boss, com perguntas ridículas, o que dá azo a que tenha obtido respostas igualmente cretinas. Pedi-lhe para definir o álbum e ele respondeu-me que era “a vontade da força e do talento onde sou eu que controlo tudo o que faço desde as letras à produção.
O movimento hip hop, até eu e o meu “people” aparecermos, era microscópico”. Um verdadeiro “boss”, pensava eu enquanto abanava a cabeça sem conter uma ligeira e desdenhosa risada e a sua música começava a ser debitada nos altifalantes da loja, letras que falam “do escape das drogas porque nem tudo o que brilha é ouro”, das crises da vida, das atrocidades provocadas pelo sistema.
E ele, convencido, na mesma onda: “Tranquilo, ninguém manda no meu estilo e até os MC’s tremem quando desfilo. Faço da minha polivalência o meu trunfo e subo ao palco como se subisse ao pódio”. Ontem um amigo em comum garantia-me que, afinal, “Boss AC não é arrogante”. Não? “Quem é arrogante é o hip hop”.