O Admirável e Empolgante Novo Mundo de Arnaldo Antunes
Encontrei Arnaldo Antunes horas antes do concerto nos jardins do Palácio Cristal, no Porto em apogeu cultural 2001. Aproximei-me dele com um sorriso rasgado, logo ali partilhado, ficámos amigos. Aquela magia que une afins despertou em nós sentimentos recíprocos e raras afinidades, adorei o concerto, a palavra em si como centro nevrálgico da performance sob camisas brancas gigantes, mostrei-lhe a cidade, estamos juntos numa foto tirada na Serra do Pilar com vistas de cartão postal.
No dia seguinte fomos a minha casa, a mulher da altura, a teclista Zaba, e os filhos, a Rosa de traços índios e olhar perspicaz, o Brás, então com 4 anos, extasiado com as capas da minha coleção de LP’s. Subitamente, vira-se para Arnaldo e pergunta: “papai, porque é que aqui se chama Porto e Portugal?” Ri e observei: “filho de peixe peixinho é”, como se diz lá no Brasil, referindo-me ao mesmo interesse sonoro pelas palavras que o pai, poeta brincando com as sílabas como peças de puzzle.
Entre copinhos de vinho do Porto parafraseámos Ezra Pound, “a função da arte é nutrir de impulsos”, brincámos com registos de emissão vocal que foram do grito ao sussurro, mistura de sensações, ação teatral e música numa simultaneidade de discursos e raciocínios, eu e ele possibilitando distintos planos de apreensão de várias linguagens.
Com aquela família, a minha sala como que ficou contaminada por vocábulos que se iluminavam ou escondiam, rodopiando-me num cerco que alastrava das paredes ao tecto. Às tantas o mote da conversa era a desordem, passando eu a perceber na intimidade o porquê de Arnaldo ser o artista brasileiro que melhor consegue fazer a ponte entre diferentes códigos, derrubar obstáculos entre géneros, misturar elementos.
Tanto na linguagem como no estilo o que lhe interessa é criar um trânsito fluente entre as mais variadas criações artísticas e, entre mais um copinho, uma sede de estranhamento e originalidade. Raro, invulgar e multifacetado. Ao escrever esta crónica recordo frases que naquela tarde me disse, como “Sempre é pouco quando não é demais”, “O corpo é para ser usado” ou “Ouvido ouve o que deseja e o que não” que descobri numa espécie de curto-circuito dos sentidos em atrito. “Esse é precisamente o meu objectivo. A busca inicial é despertar e alterar os sentidos”, disse-me, abraço do tamanho da admiração.