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André Sardet: “Não quero ser mais um no mundo da música”

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André Sardet: “Não quero ser mais um no mundo da música”

by Goreti Teixeira

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No início do milénio, tive a oportunidade de me sentar com André Sardet para uma breve entrevista onde se fala de tudo um pouco, desde a sua inspiração para a música que compõe e interpreta como o seu posicionamento na cultural musical português.

Ao organizar o meu arquivo de artigos, cruzei-me com esta entrevista e percebi que seria um desperdício confinar este ficheiro a uma pasta perdida num disco externo. Por essa mesma razão, voltei a reler a entrevista, limei algumas arestas e partilho-a agora consigo.

Ambicioso q.b. André Sardet disse-me que não queria seguir o caminho mais fácil no mundo da música, nem ser apenas mais um. Depois de quatro anos sem gravar, o músico tinha então regressado com um novo trabalho e acompanhado de nomes tão consagrados como Luís Represas, Mafalda Veiga e Rui Veloso, no álbum Acústico.

À conversa com André Sardet

Goreti Teixeira (GT): Nas viagens que fez o que é que mudou no André e o que descobriu de novo para fazer este disco?

André Sardet (AS): Acima de tudo descobri novos ambientes musicais, além da música do Brasil e de uma outra forma de felicidade. Os brasileiros encaram a vida e preparam o futuro de uma maneira que mexeu um bocadinho comigo, porque percebi que aquelas pessoas têm muito menos mas têm mais felicidade. Essas viagens influenciam-me no sentido de começar a questionar algumas coisas e de me revoltar relativamente a outras. Gosto de viajar porque acabo por conhecer outras realidades e isso enriquece-me enquanto pessoa.

GT: Foi isso que tentou transmitir no tema “Alma Devolvida”?

AS: Esse tema reflecte uma viagem ao Brasil que foi marcante para mim. Percebi que nós levámos para lá a nossa alma à qual os brasileiros juntaram açúcar e uma vida de escravatura que trouxeram de África, devolvendo-a depois de uma forma diferente. Devolvem uma outra cultura mas na sua essência existe uma grande ligação entre nós e os brasileiros.

GT: Porquê que sente que as músicas deste novo trabalho saíram valorizadas com a participação de Luís Represas, Rui Veloso, Mafalda Veiga… Eles são referências no mundo da música para si?

AS: São uma referência para mim e entre amigos é mais fácil descodificar sentimentos. Para mim a música é descodificar sentimentos, os mesmos que todas as pessoas vivem e que só os músicos têm a capacidade de os interpretar. Fiz este desafio de forma a que estes três amigos, além do Manuel Paulo e do Mário Delgado que também são grandes amigos mas são menos conhecidos do grande público, trouxessem para este álbum aquele ambiente que vivemos em situações mais informais, nomeadamente, quando tocamos as músicas uns dos outros e resulta num momento mágico e intimista. O grande desafio foi trazer para este trabalho essa intimidade e amizade.

GT: Se lhe perguntar se se considera um cantor romântico fica chateado…

AS: Não gosto do rótulo até porque não falo apenas de amor. Falo de situações que me inquietam, de coisas com as quais não concordo e, portanto, a vida não é só amor. Cantores românticos são outros. Não fico chateado, mas não aceito esse rótulo.

GT: Mas é uma pessoa apaixonada?

AS: Claro que sim. Essencialmente sou apaixonado pela minha vida, por aquilo que faço e tento estar bem comigo e com os outros.

GT: Ao contrário de alguns, o André não é meramente um intérprete. Você compõe letras e músicas e esteve ligado à produção deste álbum. Isso quer dizer que não quer deixar os seus créditos por mãos alheias?

AS: Quer dizer que existe um projecto carreira, um caminho e uma identidade musical que pode ser condicionada por pessoas que vêm de fora, como produtores e músicos, mas que não pode ser deturpada. Para que isso não aconteça tenho de estar presente e tentar que essa identidade não se mistura com a das outras pessoas, respeitando sempre cada gosto musical mas tentando sempre fazer prevalecer aquilo que é a minha convicção.

GT: Onde é que se refugia para compor?

AS: Refugio-me na minha sala de trabalho ou numa casa que tenho na Parede, longe de tudo e de todos.

GT: E qual é a melhor altura do dia para criar?

AS: Pode ser a amanhã, a tarde ou a noite. Normalmente a noite é um bocadinho mais inspiradora, mas não quer dizer que todas as noites consiga compor. Há dias em que durmo pouco e quando acordo sento-me ao piano ou pego na guitarra para compor. Não existe uma regra muito definida para isso.

   

GT: Não sente receio que essa inspiração se esgote?

AS: Todos os músicos sentem isso e é um mal comum. Já aprendi a não forçar a inspiração e de que existem ciclos como aconteceu em 2000, que foi um ano brutal em termos de criação. De facto foi um ano que rendeu muito e que agora não tem acontecido, provavelmente porque os meus pensamentos estão voltados para a promoção do disco e isso absorve a minha inspiração. Haverá um outro período em que tenho de acalmar, de descansar a minha cabeça e dar prioridade à composição. Depois logo se vê…

GT: O primeiro tema do álbum faz parte da banda sonora de uma telenovela. Isso ajuda a dar a conhecer o seu trabalho? Sente-se orgulhoso pela escolha?

AS: Ajuda e sinto-me orgulhoso com isso, porque estamos num país em que as rádios nacionais, ao contrário das locais, passam apenas dois por cento de música portuguesa. Sem qualquer tipo de preconceito da minha parte, acho que faz todo o sentido, em termos de carreira, ter uma música numa telenovela que é ouvida por um milhão ou milhão e meio de pessoas. Além disso penso que existe uma grande coerência entre aquilo que se fala na música e aquilo que é a história do personagem?

GT: Partindo do pressuposto de que as rádios não cumprem o seu papel na divulgação dos artistas nacionais, o que é que gostava de ver mudado?

AS: Gostava que houvesse mais orgulho naquilo que é nosso e que tivéssemos a consciência de ver que se não passarem música portuguesa a sua continuidade pode estar em causa. Se neste momento não existe um trabalho que se destaque no panorama nacional é porque alguma coisa não está bem.

GT: Considera-se uma pessoa ambiciosa e que ainda não chegou onde queria. Onde é que o André quer chegar?

AS: Não quero ser mais um na música portuguesa.

GT: Quando diz que a sua vida só terá verdadeiro significado, no dia em que tiver à sua frente um mar de gente a cantar as suas músicas, significa que ainda não teve uma plateia a cantar em uníssono consigo?

AS: Não. Já tive várias “gotas” nesse oceano, mas quando digo que quero ter um mar de gente à minha frente significa que não quero ser mais um na música portuguesa. Quero distinguir-me de tantos outros que andam pela música. Isso não quer dizer que eu seja vaidoso, desmedidamente ambicioso ou que estrague a vida aos outros para subir. Quero com o meu trabalho e com a minha convicção ser coerente, distinguir-me dos demais e não seguir o caminho mais fácil.

GT: No mundo da música ainda o consideram um “jovem promissor” ou já se aperceberam que adquiriu um lugar no panorama nacional?

AS: Acho que as pessoas já apercebem que estou a cumprir e não a prometer. Isso é mais concreto com este álbum que já se encontra entre os dez mais vendidos e é a segunda música mais tocada no país. Existem uma série de características que o distinguem e faz com que esse rótulo se vá desvanecendo aos poucos.

GT: Se tivesse de partir e só pudesse levar um objecto consigo qual é que escolheria?

AS: Uma guitarra.

GT: Porquê?

AS: É uma companhia que nunca me trairá. (risos)

GT: Como é que o André se define enquanto pessoa e enquanto músico?

AS: Existe uma grande relação entre esses dois “Andrés”. No entanto, penso que não sou eu que me devo definir. A melhor maneira das pessoas me conhecerem é ouvirem as minhas músicas.

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