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O momento em que ouvi o inédito “Perfect Stone” de Skin

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O momento em que ouvi o inédito “Perfect Stone” de Skin

by José Manuel Simões

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“Vem depressa. A Skin está à tua espera no camarim”. A folha A4 colada ao alumínio com o chavão “Proibida a entrada a estranhos” remeteu-me para o papel do marido que vai questionar a cantora preferida da esposa que teve que ficar do lado de lá da vedação.

“Espera um pouco enquanto ela se compõe”, referiu o promotor como se o momento fosse de alguma solenidade. E pelos vistos era. “Faz hoje anos e está muito bem disposta”. Sabia que o aniversário tinha sido no dia anterior mas compreendi a ideia de lhe dar continuação.

Quando entrei na improvisada sala de estar, procurava absorta alguma coisa no seu estojo de maquilhagem, “entra e senta”, disse sem me fitar, costas cobertas por um pequeno fio a unir as pontas da blusa branca rendada. Mantive-me quietinho à entrada, olhar ávido, captando com afinco o seu parco universo.

Num súbito quase felino torneou-se na minha direcção, um sorriso colossal da boca com o tamanho do mundo. “Parece que gostou dos meus cabelos desgrenhados em contraste com o brilho que ela transpira. Um brilho de pele, certamente sedosa”, fantasiava.

   

Sentámo-nos sem palavras, acariciou o violão ao peito, começou a dedilhar um tema tão doce quanto o momento. “Acabei de o compor. É o primeiro a ouvi-lo”. Pergunto o nome daquele mel que lhe escorria da boca e dos dedos esguios e penetrantes, o arrepio na pele de galinha, o sem jeito excitado. “É como uma pedra preciosa. A perfect stone”, sussurro-lhe quase ao ouvido. “Gostei…vai ser esse o título”.

Sabia que ela tinha rompido com a namorada de longos anos, conhecia quase de cor as canções que falam da dor da separação, a garra e o intimismo. Ali era só um lado de si sobrepondo-se à capacidade de sofrer e gritar, de amar e odiar em simultâneo. O que brotava daquela boca e daqueles dedos parecia escorrer suavemente do clitóris. Não era agro-rock nem cru soul, nem sátira ou manifesto feminista.

Era amor, a sua “maior doença”, como me justificou numa pausa dos acordes. Era Deborah Anne Dyer a mexer-me com o íntimo, a jogar com o meu quase rendido coração. No meio do êxtase – ou talvez fosse só o início – alguém bate à porta. Pareceu-me que também ela estremeceu. “Skin, está quase na hora”, avisou como gelo a derreter à força. Nos abraçamos. No palco, enquanto ela, qual gata negra, cantava sobre egos destruídos, e eu a escutava quase emocionado a cantar por entre o zumbido de “perfect stone”, ouvi um rapaz questionar o amigo: “o que é que esta mulher tem que eu não tenho?”

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