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A sobriedade de JP Simões dos Belle Chase Hotel

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A sobriedade de JP Simões dos Belle Chase Hotel

by José Manuel Simões

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Como ambos nascemos em Coimbra e temos amigos em comum, ainda os Belle Chase Hotel davam os primeiros passos quando me apresentaram os temas que dariam origem a “Fossanova”, o primeiro álbum do grupo. Gostei do que ouvi e decidi ir entrevistar JP Simões numa casa deveras desarrumada que então partilhava no Bairro Alto.

O cantor estava com uma ressaca abismal mas apresentou um discurso fluído e postura inteligente. Não fez questão de esconder a ironia que o define, de criticar “a crescente onda de mau gosto que o império do dinheiro consegue trazer atrás de si”, de revelar o seu ar negligente, insatisfação social latente, dor amorosa, a revolta com “a vida suburbana do povo semi-podre”.

Quando o vi pela primeira vez em palco, uma canção entre frases sarcásticas, o baixista Baptista não disfarçava a sua agonia, “esse gajo não deve saber o que custa estar aqui com o instrumento ao colo à espera que ele acabe os discursos patetas para recomeçarmos a tocar”, disse-me certa noite em Matosinhos, enquanto JP apontava o dedo “a um lado infinitamente superficial que cobre a forma como todo o sistema que rodeia o showbizz funciona”, o mesmo sentido de anarquia, a expressão clara e tresloucada de querer ser livre num país atávico.

Encontrámo-nos várias vezes, noites em claro, conheci-lhe a erótica sentimentalidade que tempos depois lhe deixariam marcas no rosto. Um amigo comum ligou-me a contar que ele estava muito bêbado num bar do Bairro Alto, que começou a galantear a namorada de um conhecido que perdeu a paciência e revelou o mau carácter ao partir-lhe um copo de cerveja na cara, o sangue a jorrar, foi parar ao hospital, as cicatrizes ainda hoje mal saradas.

   

Parece que o episódio não o inibiu pois, certa noite, no Mercado da Ribeira em Lisboa, depois de termos participado num jantar teatral ao vivo, aproximou-se de uma morena bonita, abraçou-a, foi empurrado até cair no chão.

Tal tendência para o desastre das paixões não deve ter desaparecido de si, tal como o clima estouvado da folia, a poesia da decadência e a rebeldia, mas quando o encontrei pela última vez, no Festival Músicas do Mundo de Sines, pareceu-me ridiculamente sóbrio, um café atrás do outro, “já não bebo álcool, estou num processo de depuração do eu”, a mesma veia crítica “à sociedade inquietante em que vivemos”.

Disse-me, naquele seu jeito de melancolia ainda mais teimosa, que estava a fazer uma retrospectiva da sua vida. Lembro-me de ter pensado: “É estranho como o JP deixou de beber e ficou muito mais chato”.

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