“Simõeszinho, o director quer falar consigo”, chamou a Isabel, exageradamente simpática por a ter levado a “um concerto maravilhoso”. Estranho, o senhor engenheiro a chamar-me, pela primeira vez, ao seu gabinete… Aprumei-me, ergui as costas, respirei fundo, afinal tinha sido meu professor e agora dávamos aulas na mesma faculdade, coisa má não deveria ser.
Enquanto lia o jornal, sem nunca me olhar, Martins Mendes proferiu: “O José Carreras vai hoje ao Europarque e você tem que arranjar maneira de falar com ele antes do concerto. É um acontecimento – congresso sobre a voz – e é fundamental arranjarmos um exclusivo com ele. Tem que o conseguir apanhar”.
Ora esta… apanhar o Carreras como? Não me lembro ao certo quem – o sucedido passou-se em Abril de 1995 – mas a verdade é que alguém, suponho que um produtor, ao telefone, me deu a dica: “ele vai chegar a Pedras Rubras num jacto particular por volta das nove da noite e vai directo para Santa Maria da Feira. Não vais ter nenhuma hipótese de falar com ele”.
Quase uma hora antes do previsto já andava no aeroporto Sá Carneiro a indagar. Que iria sair pelo portão das mercadorias. Com meia hora de atraso um carro preto escapou-se disparado, passando por nós a velocidade altamente proibitiva. “Era ele, era ele que ia ali”, afirmei sem certeza para o motorista do JN que fez levantar poeira no arranque.
Atrás deles, qual perseguição, eu que detesto correrias de automóvel, com ultrapassagens de alto risco, apanhámo-los quase em Matosinhos, sinais de luzes, buzinas ao rubro, encostaram. “Então o que é que se passa?”, o fotógrafo já a correr para o carro deles, cinco flashes seguidos no rosto do tenor, entre o pasmado e o incrédulo.
“Senhor Carreras. Uma pequena declaração pode ser?”. “Bom, não é o melhor lugar para o fazer mas…porque não?”, os carros abrandando, curiosos: “Criou a Fundação Internacional José Carreras para a Luta contra a Leucemia. É verdade que também padece dessa doença?”.
“De facto, em 1984 foi-me diagnosticado esse problema que me forçou a interromper a carreira durante largos anos. Deram-me como que incapacitado para continuar a cantar mas como vê estou aqui”.
Como é que conseguiu?
“Foi a luta da ciência pela vida de um homem e de um homem pela sua vida”, afirmou, compondo o casaco e despedindo-se com um simpático aperto de mão.