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Erasmo Carlos, um cantor para chamar de seu

Erasmo Carlos, um cantor para chamar de seu

by Gabriel Crespo

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A música popular brasileira nos traz oferendas maravilhosas há muito tempo. São cantores de primeiríssima qualidade e músicos de alto nível que nos dão orgulho de dizer que somos brasileiros e que curtimos a música que fazemos.

Escrever sobre um artista em especial no Brasil é uma tarefa difícil, pois são tantos nomes consagrados pelo público que permanece fiel àqueles que algum dia lhes trouxeram sentimentos, reflexões, imaginações e que formaram a trilha sonora para variados momentos marcantes.

Um destes artistas que há mais 55 anos acompanha o imaginário cultural do povo brasileiro é Erasmo Carlos. Falar de um autor de mais de seiscentas composições, com mais de trinta álbuns gravados, com parcerias com muita gente fera e em plena atividade não é fácil.

Por isso o que fazemos aqui é apenas um recorte da obra daquele que temos o prazer de chamar de tremendão ou Gigante Gentil, uma pequena seleção de músicas daquele que no palco e nos bastidores nos ensina que o rock continua sendo mensagem de paz, diversão e amor.

Com vocês: Erasmo, um cantor para chamar de seu…

Vem quente que eu estou fervendo

O iê-iê-iê foi um movimento de transformação da jovem do Brasil nos anos 60. Influenciados pela música dos Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, entre outros expoentes da cultura internacional, o movimento é mais conhecido pelo nome Jovem Guarda (que foi um dos programas de maior audiência na metade daquela década).

Erasmo foi um dos gênios da Jovem Guarda. Ao lado de Roberto Carlos e Wanderléa liderou as tardes de domingo com seus sucessos. “Vem quente que eu estou fervendo” (de Carlos Imperial e Eduardo Araújo) foi um dos seus maiores sucessos, sendo regravado por várias gerações do rock nacional. Entre seus maiores balanços estão “Festa de Arromba”, “Terror dos namorados” e “Minha fama de mau” (compostos em parceria com Roberto Carlos).

“Se você quer brigar

E acha com isso estou sofrendo

Se enganou meu bem

Pode vir quente que eu estou fervendo…”

https://www.youtube.com/watch?v=DAdx0gT5ids

Sentado à beira do caminho

Uma das parcerias de maior sucesso na música popular brasileira é da dupla Roberto Carlos & Erasmo Carlos. A amizade vem de meados dos anos cinquenta, mas a composição conjunta veio com “Parei na contramão” em 1963. Roberto já havia lançado a versão de Erasmo para “Splish splash” sucesso do cantor norte-americano Bobby Darin.

Ambas foram sucesso e deram início ao iê-iê-iê. De 63 pra cá Roberto lançou um álbum por ano até 1996, e aproximadamente metade das músicas eram de autoria da dupla. Erasmo também lançou trinta álbuns e parte dessas canções vinha eram em parceria com Roberto.

O maior sucesso de Erasmo ainda é “Sentado à beira do caminho”, lançada em um compacto em 1969, no fim da Jovem Guarda. A letra emocionada de um sujeito desesperado a procura de um fim para uma crise existencial desencadeada pela partida de uma pessoa amada. A música foi uma das mais regravadas da dupla, ganhando as mais variadas vozes.

Erasmo Carlos, Gal Costa e Roberto Carlos

Foi cantada em 1970 pela cantora italiana Ornela Vanoni na versão “L’appuntamento”, regravada no idioma por Andrea Boccelli. Em espanhol “Sentado a La vera Del camino” ganhou versões variadas desde seu compositor Erasmo Carlos até as vozes de Eydie Gorme e Altemar Dutra.

Em 1980, na ocasião de seu álbum Erasmo Carlos Convida (disco com 12 duetos), Erasmo recebeu Roberto para uma também famosa regravação do sucesso. Confira este vídeo clipe da melhor qualidade.Há também a participação de Erasmo no show de 50 anos do Rei no Maracanã em 2009, onde eles contam o processo de criação deste sucesso.

Gatinha manhosa

Um dos gêneros mais queridos do iê-iê-iê é o romantismo das suas baladas. “Gatinha manhosa” (parceria com Roberto) foi um dos seus maiores sucessos na década de 60 (ainda hoje, em seus shows esta música é faixa obrigatória). Também fez sucesso com as baladas “A Carta” (Raul Sampaio e Benil Santos) e “O Caderninho” (de Almir Stocker). “Gatinha manhosa” tem duas versões famosas com Léo Jaime e Adriana Calcanhotto (Partimpim).

Amar pra viver ou morrer de amor

Quem conhece Erasmo Carlos sabe o quão adorável ele é. Um cara elegante, aberto e bem humorado. Suas músicas exaltam sempre o amor, a paz, o prazer, o sentimento puro e sincero. Ano passado lançou …Amor é isso, álbum que exalta o amor como conceito, o amor pensado e sentido para além da cama (sem se esquecer dela). Mas a sua exaltação ao amor vem de muito antes.

Em 1982 lançou Amar pra viver ou morrer de amor, um de seus discos de maior sucesso, saído da mesma esteira de Erasmo Carlos Convida (1980) e Mulher (1981). A melodia de “Amar pra viver ou morrer de amor” tem uma levada alto astral, a letra é encantadora pela sua simplicidade, levando a mensagem de amor e união acima de todos os interesses:

“Guerra, mas só se for guerras de amor

Mísseis de flores, flores, flores, bombas de isopor

De repente, mergulhar com otimismo e nadar nas águas turvas do abismo

Evitar que mais de mil persiga um só, viemos do mesmo pó, fim ao desamor…”

Erasmo Carlos: Gigante Gentil

Com o advento das redes sociais digitais, os ataques gratuitos e inconsequentes para todos os lados e todos os tipos de pessoas tomou uma proporção digna de atenção. Através de um perfil falso ou mais ou menos real, as pessoas sentem-se mais seguras para disparar até mesmo contra aqueles que não lhes fizeram nenhum mal. Erasmo foi uma dessas.

Quando teve acesso aos comentários sobre sua pessoa ficou inicialmente assustado, pois diziam que ele se parecia com um zumbi e que acabara de sair da série The Walking Dead…! Outros ainda falavam a respeito da sua idade, dizendo que bastava ele fechar os olhos para a família começar a rezar… Quem o conhece sabe quão espírito honesto de rock and roll Erasmo tem. Sua gentileza não lhe permitiria falar coisas como essas com ninguém.

O álbum Gigante Gentil (2014) foi a forma como o tremendão achou de dizer aquilo que ele pensa sobre o presente, sobre os ataques pelas redes sociais fez sua autodefesa em “Gigante Gentil”, que ganhou um clipe espetacular! Sobre o uso das novas tecnologias e o desespero humano causado pela falta de conexão com a rede de internet compôs “Colapso”.

Em “Amor na rede” (parceria com Nelson Motta) tratou das novas formas de encontro através das redes sociais, destacando contudo que a melhor rede é aquela “à beira-mar entre os coqueiros”, com “corpos ligados sem fio e fora do ar”. O álbum traz ótimas parcerias com Arnaldo Antunes (“Manhãs de Love” e “Teoria do óbvio”) e Caetano Veloso (“Sentimentos complicados”). O destaque vai para as românticas “Moça” e “50 tons de cor”.

Geração do meio

Em 2015, o tremendão lançou um espetáculo intitulado Meus lados B. O repertório clássico foi ligeiramente deixado de lado para dar espaço às músicas menos tocadas no rádio e menos conhecidas pelo grande público. Os lados B dos antigos LPs eram reservados às canções que não pareciam ter muito fôlego, deixando para o lado A aquelas que podiam virar sucesso. A previsão nem sempre condisse com a realidade. Vários artistas estouraram com músicas do lado B.

Embora o grande público não as conheça, quem é fã de Erasmo sempre curtiu “É preciso dar um jeito meu amigo” e “Maria Joana” (ambas de 1971), “Grilos” (1972), “Cachaça mecânica” (1974), entre outras músicas que fazem parte do setlist do registro ao vivo gravado no Tom Jazz. Os fãs tiveram a oportunidade de ver um Erasmo relax, cantando do rock ao samba, contando histórias e cantando aquilo que só fã gosta.

   

Do álbum destacamos “Geração do meio”, pois é uma composição que leva a assinatura da sua esposa Narinha (a mesma com quem compôs o clássico “Mulher (Sexo frágil)”), uma música que critica a ‘geração do meio’ (que seria a geração pós-guerra), que colocou filhos no mundo mesmo sabendo que o homem havia feito duas grandes guerras, ao mesmo tempo que mostra como essa é responsável pela esperança de um futuro melhor. Neste vídeo Erasmo conta que foi uma conversa que teve com Raul Seixas que inspirou a composição.

Mais um na multidão

Em seus quatro últimos trabalhos de músicas inéditas, Erasmo lançou mão de novos parceiros. Uma das parcerias de sucesso foi com os tribalistas Marisa Monte Carlinhos Brown em “Mais um na multidão”, lançada no disco Pra falar de amor (2001), a música foi cantada por Erasmo em dueto com Marisa Monte. Em Abaixo segue o dueto ao vivo de Erasmo com Marisa Monte na comemoração dos 50 anos de carreira do tremendão.

“O mar de sol no leito do lar

E nem o rio pode apagar

O amor é fogo e ferve queimando

Estou ferido agora e sigo te amando

Você pode acreditar…”

Convite pra nascer de novo

A parceria com Marisa Monte foi tão boa que mereceu bis. No ano passado, lançou o novo álbum …Amor é isso, com participações especiais e várias novas parcerias (com Samuel Rosa, Emicida, Adriana Calcanhotto). Com Marisa Monte e Dadi Carvalho lançou “Convite pra nascer de novo”, canção que se tornou o carro-chefe do disco. Vale a pena curtir esta música que fala sobre o renascimento através do amor, com o bom e velho Erasmo romântico.

Minha superstar

Um dos álbuns de maior sucesso de Erasmo foi Mulher (Sexo frágil) de 1981. O carro-chefe do álbum foi “Mulher (Sexo frágil)” composta em parceria com Narinha, a musa inspiradora do disco e homenageada na letra que ressalta a força da mulher. É uma das músicas mais reproduzidas nas rádios brasileiras no dia internacional da mulher. Também é daquelas que não pode faltar em shows.

O álbum traz de um lado o sucesso satírico “Pega na mentira”, feita com Roberto, ironizando as contradições brasileiras e de outro a tese do “Feminino coração de Deus” do compositor capixaba Sérgio Sampaio, que diz: “O coração de deus é uma criança que dança entre todos os sexos (…)”. Além de uma regravação cheia de vigor para “Gatinha manhosa”, há “A Carta do índio”, inspirada no famoso poema do cacique norte-americano Seattle, que vale a pena conferir. Mas a música que destacamos é a “Minha superstar”, a mulher de brilho farto cantada nesta bela balada que traz um solo incrível do saxofone de Beto Saroldi. Esta música foi e continua sendo sucesso.

Vou ficar nu pra chamar sua atenção

Além de cantor e compositor, Erasmo também é ator. Atuou ao lado de Roberto Carlos em dois filmes lançados pelo Rei no início dos anos 70. Em Roberto Carlos e o Diamente Cor-de-Rosa (1970), dirigido por Roberto Farias, o trio da jovem-guarda estava no Japão quando uma misteriosa estatueta é comprada por Wanderléa e eles acabam perseguidos por um grupo de bandidos. Eles vão para Israel e depois para o Brasil, em uma aventura repleta de sucessos do trio. “Vou ficar nu pra chamar sua atenção” foi um número ousado para a época. Erasmo interpreta a música ao pé da letra e termina a canção ficando nu…!

Esta música também foi gravada por Roberto (que é coautor) e pela cantora Simone (que adaptou o “nu” para “nua”). Erasmo também participou de outros filmes e após um hiato de mais de vinte anos atuou em Paraíso Perdido (2018) de Monique Gardenberg, no papel de José, o dono de uma boate e patriarca de uma família unida pela música e pela tragédia.

Não se esqueça de mim

Quem tem o gosto musical variado vai gostar da versatilidade do tremendão. Apesar de ser reconhecido imediatamente como um dos grandes nomes do rock brasileiro, ele também canta outros gêneros.

É difícil ver um cantor de rock cantar samba, mas Erasmo que já gravou o clássico de Ary Barroso (Aquarela do Brasil) e uma inédita de Caetano Veloso (De noite na cama), também compôs do gênero (Cachaça mecânica). Sua voz suave permite que ele transite pelos mais variados ritmos e estilos, tais como o bolero. Aqui segue a participação especial de Erasmo na canção “Não se esqueça de mim”, gravado para um álbum de Nana Caymmi. A canção ficou famosa na trilha da novela Caminho das Índias de Glória Perez. Os dois tiveram participações como cantores na novela.

Olhar de mangá

No álbum Rock ‘N’ Roll de 2009, Erasmo retorna como um gigante do rock com um trabalho de primeira qualidade. Desde este álbum, Erasmo é acompanhado pela banda Filhos da Judith e pelo guitarrista Billy Brandão, que mantém alta qualidade no som do tremendão.

Entre os sucessos “Jogo sujo” e “Cover”, há um dos melhores sons do disco em “Olhar de mangá”, música que cita olhares de várias musas nacionais, internacionais, do sagrado e da literatura, destacando como o olhar encantador das mulheres que “com um jeito de pidona” lembra dos olhares dos famosos mangás japoneses.

Sou uma criança, não entendo nada

Há uma veia irônica nas canções de Erasmo. “Sou uma criança, não entendo nada”, que abriu o álbum de 1974, é uma dessas, com a letra intrigante e engraçada baseada em uma poesia de Giuseppe Ghironi é um dos seus maiores sucessos. Aqui está uma participação do cantor no trabalho ao vivo de Arnaldo Antunes. Os dois também são parceiros em algumas composições lançadas nos últimos álbuns de Erasmo.

“Antigamente quando eu me excedia

Ou fazia alguma coisa errada

Naturalmente minha mãe dizia:

“Ele é uma criança, não entende nada”…

Por dentro eu ria satisfeito e mudo

Eu era um homem e entendia tudo…”

Minha fama de mau

Em 2008, Erasmo lançou o livro “Minha fama de mau” (Ed. Objetiva), que trouxe suas memórias do início nos tempos da Tijuca (com Tim Maia), dos programas de rádio, dos cinemas, das garotas, da televisão e da entrada no mundo da música (com Carlos Imperial e Roberto Carlos) até a consolidação do sucesso e todos os encontros que o seu sucesso proporcionou.

O livro traz histórias muito engraçadas e alguns encontros inusitados com artistas (quando ‘salvou’ a vida de Milton Nascimento). Momentos desagradáveis também são contados como o que ocorreu no primeiro Rock in Rio, a separação com sua esposa, um período de ostracismo e de trabalhos medianos.

Está previsto o lançamento nos cinemas do filme Minha Fama de Mau, que retratará parte da vida do tremendão, contanto sua história desde antes do sucesso até o período pós-Jovem Guarda. Erasmo será interpretado pelo ator Chay Suede em filme dirigido por Lui Farias. O trailer está muito bonito e é provável que seja um bom filme.

Mesmo que seja eu

Um dos maiores balanços da sua carreira, “Mesmo que seja eu” foi considerada por Roberto Carlos (seu coautor) como uma das suas parcerias prediletas, e que apesar de já ter pensado em cantá-la, não a vê sendo cantada por alguém que não seja Erasmo. No registro ao vivo 50 anos de Estrada (2012), realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e que virou CD e DVD, Erasmo traz uma versão bem roqueira para o sucesso. Show!

Para aqueles que buscam no vasto território da música brasileira um cantor para chamar de seu, aqui está: Erasmo Carlos.

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