A Blondie Debbie Harry Vítima da “blondlemania” e do preço da fama

Naquele dia de fins do século passado Debbie Harry, então com 53 anos, padecia com ar de frete no Meridien, Porto, esparramada em cima de um sofá, tão gorda que quase não a reconheci. Aquela que tinha sido considerada a Marilyn Monroe da pop e que ainda fundia esteticamente outros grandes mitos como Jayne Mansfield ou Mamie van Doren, que ajudou a transformar o punk em new wave, e que não aparecia em público nem gravava há 16 anos, tinha os cabelos louros em desalinho, os peitos caídos e um vestido de seda azul tamanho XXL.

Aproximei-me, cumprimentei-a delicadamente – ainda incrédulo de tantos quilos a mais – e fito-a a compor-se no sofá antes de tentar levantar-se com um esforço tamanho que não resisti a dar-lhe a mão para a ajudar. A vocalista dos Blondie não gostou e grunhiu qualquer coisa como “este imbecil está a pensar que eu estou a morrer”. Com um impulso levantou-se sozinha e afastou-se sem me dar satisfação.

Estava eu a matutar como é que uma senhora que tinha sido um ícone de beleza e uma apelativa sex symbol se tinha deixado desmazelar até aquele ponto quando os seus companheiros Chris Stein – vítima de uma rara doença de pele que o afectou durante dolorosos anos – e Clem Burke irromperam pela sala com ar de desvairados, também eles a léguas de distâncias dos tempos em que eram vistos como protótipos de beleza de uma geração com muito glamour e postura iconográfica aplaudida por Andy Warhol.

Debbie Harry voltou entretanto na companhia de Jimmy Destri para a agendada conferência de imprensa e percebi que ela fazia questão de ocultar-se a si mesma numa penumbra, como se tivesse receio que os focos lhe ensombrassem o pouco que lhe restava do brilho interior. Os quatro sentaram-se numa mesa comprida, os flashes dispararam, Debbie Harry ofuscou-se com as luzes e com grande esforço não perdeu a postura. Os quatro tinham um ar intelectual, irónico, distante, indiferentes a tudo e a todos.

Percebi que o preço da fama é, para gente que prefere o anonimato ao estrelato, mais um pesadelo que um sonho. O mesmo pesadelo que vitimou figuras como Cobain, Morrison, Hendrix ou Joplin e que quase aniquilou a vocalista dos Blondie que viu inesperadamente crescer uma síndrome, a “blondlemania”, onde bandos de maníacos mostravam que o seu maior desejo era levar a senhora para a cama, provocando nela um sentimento que variava entre o desprezo e a alma destroçada.

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