Encontrei-me com nas vésperas do seu primeiro concerto no Porto, em Julho de 1999 – comemorava então 50 anos de carreira e 40 LP’s gravados – e ultimamente a imagem daquele imponente senhor, de infinita bondade e porte de príncipe, tem-me assolado a memória.
Recordo-me que durante as horas em que estivemos juntos não largou das mãos um lenço branco perfeitamente vincado com que limpou os olhos turvados pela emoção. “Nunca pensei nem quis ser um embaixador da música de Cabo Verde. Descobri que tinha o dom de cantar aos 12 anos e vou continuar a fazê-lo até morrer”, profetizou, olhar absorto em recordações, ele a brincar nas ruas de São Vicente, o calor do tempo em que uma prima dedilhava uma guitarra portuguesa sentada no beiral da sua porta, quando empurrava a cadeira de rodas de B.Leza que o chamava de touro.
Na altura a sua voz não era apreciada, fez-me crer que ninguém gostava de o ouvir, que não se surpreendeu, quando chegou a Portugal, que não lhe tivessem dado o devido valor: “Fui-me cansando e já só pensava em abandonar esta vida”.
Tempos depois uma amiga em comum foi vê-lo ao hospital, contou-me que ele a recebeu com um sorriso do seu colossal tamanho, com uma ternura e respeito de fazer doer o coração. Mencionou que à sua volta estavam uns músicos cabo-verdianos em repetidas vénias de gratidão a que ele, batizado Adriano Gonçalves, respondia com um sorriso, leves acenos, combalido mas moralmente elevado. Escuto a sua voz redentora, vislumbro o seu jeito imponente, sinto-lhe o coração debilitado e comovido. Oxalá volte a cantar.