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Vodafone Paredes de Coura: Há um quarto de século a fazer pessoas felizes

Vodafone Paredes de Coura: Há um quarto de século a fazer pessoas felizes

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Arranca hoje mais uma edição do Vodafone Paredes de Coura, a 26ª, o que equivale a dizer que assentou arraiais há 25 anos. Um quarto de século, a experimentar e a inovar, como me disse João Carvalho, director e programador do festival mais antigo com edições ininterruptas de Portugal. Uma conversa em pleno relvado da praia fluvial do Taboão, onde milhares de festivaleiros adoram passar os dias, para depois à noite se deleitarem com a melhor música alternativa que o planeta produz. Nem sempre foi assim, hoje ainda nem sempre é assim, principalmente, devido às novas tendências, mas uma coisa é certa: 25 anos depois, “Paredes de Coura é sinónimo de música”.

Como me disse João Carvalho, “Coura é amor” e melhorar, ano após ano, o festival é o fito da Ritmos, empresa courense que organiza o evento… e não só.

“Gostamos de ver as pessoas felizes”, sublinha, lembrando que toda a vila se envolve e acarinha o festival, tal como o público do festival tem um carinho especial pelas gentes de Paredes de Coura.

É por tudo isto que há quem lhe chame Couraíso.

Mundo de Músicas (MM): Quando é que o festival Paredes de Coura saltou dos distritais para os nacionais e destes às provas internacionais, se me permites a metáfora?

João Carvalho (JC): Digamos que em 1997 sentimos que a coisa tinha dimensão nacional. Já em 1999, e aproveitando a metáfora, com a grande enchente que nos surpreendeu a todos no ano dos Lamb, Sneaker Pimps e Guano Apes, sentimos que ficámos ali nos três primeiros do campeonato nacional. Não quero ter a arrogância de dizer que nesse ano ganhámos o campeonato nacional, mas também não havia muitos mais festivais. Foi quando sentimos que, realmente, o festival já era maior do que nós todos, tal como agora, porque isto foi uma coisa que começou na brincadeira, que é feita num sítio inusitado e que tem dimensão nacional e internacional, Paredes de Coura é uma terra pacata e pequenina. E quando senti que entrámos nas competições internacionais foi em 2005 com aquela super edição com Nick Cave, Pixies, The National, Arcade Fire e tantos outros nomes que fizeram essa edição histórica que não vale a pena estar a nomeá-los a todos. E esse ano foi importante por várias razões. Afirmou o festival a nível internacional e deu sequência ao festival que tremeu um ano antes, em 2004, quando a chuva, segundo os jornais da época, caiu no mês de Agosto em Portugal como já não acontecia há 99 anos. Choveu tanto em 2004 que o festival tremeu. Estamos a falar de uma edição em que o palco secundário até tinha os «secundários» LCD Soundsystem e que acabaram a tocar no palco principal. Choveu tanto, o prejuízo foi tão grande que a estrutura do festival abanou e esteve tudo em causa. Por isso, a edição de 2005 foi muito importante na consolidação do projecto que a partir daí não parou mais de crescer. E esse super cartaz foi feito sem qualquer patrocinador e não deu lucro, nem sequer para abater o prejuízo do ano anterior. Mas foi importante ao trazer dimensão ao festival. Depois as coisas começaram a correr bem. Hoje em dia este é um festival que faz parte dos melhores festivais internacionais, o que nos orgulha muito.

(MM): Essa questão do patrocinador foi durante muito tempo uma dificuldade recorrente que tiveram que enfrentar e contornar? Era pelo festival ser em Paredes de Coura?

(JC): Não tenho dúvida disso. Hoje ganhámos o respeito de toda a gente, pelo que ser em Paredes de Coura é sinónimo de qualidade, mas na altura não era. Este é um País cheio de virtudes, mas também cheio de defeitos, que são normais num País que vive focado nos grandes centros e, principalmente, em Lisboa. Sendo este um festival que se faz em Agosto, as marcas achavam que tudo o que era fora dos grandes centros não dava projecção. Hoje, obviamente e finalmente, não temos dificuldade em arranjar patrocinadores. Aliás, já nos damos ao luxo de rejeitar patrocínios. Temos finalmente um main sponsor, há cinco anos, que é sólido, que tem tudo a ver com a marca e que entrou em Paredes de Coura e soube respeitar os princípios e até melhorá-los. Hoje temos um festival mais bonito e isso também se deve à Vodafone e ao aumento de orçamento que temos disponível. Hoje esse problema não se põe, temos o respeito de toda a gente, mas dantes não era assim. Tivemos que batalhar muito, ganhar o respeito de toda a gente e hoje temos orgulho naquilo que construímos, mas custou muito.

 

(MM): Como olhas para as três primeiras edições só com bandas nacionais, grátis, o que hoje é algo impensável, e que foram o princípio de tudo, em que suponho a vossa vontade de fazer algo foi mais forte? Qual a nostalgia que tens dessas três primeiras edições?

(JC): Sinto a nostalgia do início disto tudo. Nós éramos um grupo de amigos e o festival uniu-nos ainda mais, pois ainda hoje somos todos amigos. Não é fácil, passados 25 anos e com tanta coisa para fazer e com tantas ideias por vezes divergentes, mantermos a amizade, mas a verdade é que ainda hoje nos mantemos.

(MM): Essa é uma das bases do sucesso do festival?

(JC): Sim, porque isso reflecte-se na forma como fazemos as coisas. Uma vez em entrevista à Visão, quando me perguntavam o porquê de estar a melhorar aquilo que está bem feito, e porque eu tinha explicado que a taxa de aceitação das nossas infra-estruturas é de 80, 90%, eu respondi: “Porque somos assim!”. É realmente porque somos assim, somos minhotos, gostamos de receber, gostamos de ver as pessoas felizes, somos um grupo de amigos e isso reflecte-se na forma de organizar e de estar. A essência do festival foi passarmos um bom bocado juntos e trazer pessoas até aqui para promover Paredes de Coura. Nas primeiras entrevistas que dei tinha que explicar que Paredes de Coura era no distrito de Viana do Castelo, perto de Valença e de Monção. Hoje são os de Caminha, Monção e outros concelhos que têm que explicar que ficam perto de Paredes de Coura. O paradigma mudou radicalmente.

(MM): E as três primeiras edições?

(JC): Lembro-me da discussão que tivemos na terceira edição quando veio à baila a cobrança de bilhete. Eu era contra, porque achava que se cobrássemos bilhete as pessoas deixariam de vir… A verdade é que o festival cresceu e tinha que ter bilhetes para crescer. E acho que construímos algo único, num sítio inusitado e hoje estamos com esta força toda pelo que a grande certeza é que o festival já é maior do que nós e connosco ou com outros ele vai continuar a acontecer por muito e bons anos.

 

(MM): Nas cinco primeiras edições só passaram bandas portuguesas pelo palco, houve uns anos em que estiveram mais outros menos, mas entretanto têm marcado presença forte. O elemento nacional em que medida é importante?

(JC): As bandas que mais tocaram no festival foram os Mão Morta, Nuno Lopes, Cosmic City Blues e Queens Of The Stone Age.

(MM): E podemos olhar para elas e ver uma certa marca do festival?

(JC): Acho que podemos, está aí um nosso ADN. Mas respondendo à tua pergunta, houve ano em que, como programador, me via à rasca para encontrar três boas bandas nacionais. Hoje vejo-me aflito só para colocar seis, porque há seguramente 20. Acho que a produção nacional evoluiu imenso nos últimos anos. Nós não temos que ter nenhuma quota nacional, mas tento sempre ter o maior número de bandas portuguesas, porque acho que as há com grande qualidade. Sempre tivemos ligação com o início de muitas bandas, conheço centenas, algumas já com carreira que nasceram em Paredes de Coura, porque estavam a acampar e viram uma banda que os fez criar uma também. Permite-me a falta de modéstia, mas acho que influenciámos muito a forma de ouvir música em Portugal, já para não dizer também a forma de estar nos festivais. Portanto, temos várias páginas importantes na forma de estar na música em Portugal e queremos ter sempre as bandas nacionais no cartaz. Ter as bandas que os outros festivais não têm, não por ciúme, mas porque queremos dar oportunidade às novas bandas. Na edição passada acabei com uma pasta com 427 bandas, escolhi 100 e por fim coloquei oito no cartaz. Costumo dizer que a parte mais complicada da programação é com as bandas portuguesas, porque qualquer banda gostava de tocar em Paredes de Coura. A dificuldade não é o cachet, nem mais nada a não ser escolhê-las de tantas!

(MM): O festival teve edições com um dia, depois cresceu para dois, três, foi a quatro e chegou aos cinco dias, regressando e estabilizando nos quatro…

(JC): E agora são sete dias!

 

   

 

(MM): Pois, com o festival a subir à vila nos dias que antecedem o arranque oficial. Esta variação na duração do festival tem sido a permanente adaptação à solicitação do público?

(JC): Os festivais são, normalmente, dois ou três dias e o Paredes de Coura é o único que são quatro dias de palco principal e depois tem a componente do Sobe à Vila. As coisas foram variando porque gostamos de experimentar, de inovar. No fundo, fomos fazendo experiências… Este foi o primeiro festival a ter um palco secundário, a ter um palco de reggae, um palco after-hours e chegámos a ter um palco africano… Portanto, fomos vendo, mas acho que chegámos à fórmula ideal que são os quatro dias e o bilhete mais barato de todos os festivais desta dimensão. Temos uma aposta forte no Palco After-hours e no futuro é também por aí que queremos evoluir. O Sobe à Vila nasceu porque as pessoas vinham cada vez mais cedo para cá e, pensámos, porque não assumir e experimentar fazer qualquer coisa na vila nesses dias que antecedem o festival. A coisa correu tão bem que, hoje, o Sobe à Vila é um festival dentro do festival. Bem, durante estes dias já temos cerca de 10 mil pessoas a acampar, o que para uma terra tão pequena como esta é uma forma de reforçar o afecto que as pessoas têm com a terra. O festival é mais do que a música, é uma história de afectos entre as pessoas daqui e de quem nos visita e isso nota-se na forma como as pessoas reagem. E nós provocamos isso e queremos que as pessoas continuem a ter este afecto com Paredes de Coura. O Sobe à Vila nasce para reforçar esse afecto, mas também para que um concelho pequeno e do interior, que não é visitado assim tantas vezes, possa reforçar o seu comércio ainda mais e que no conjunto se possa fortalecer economicamente. Este é um conceito grátis e suportado integralmente pelo festival. Não tinha que o fazer, mas é feito com todo o carinho.

(MM): No fundo, o festival é, pelo menos, uma semana de férias que muita gente goza no interior norte do País, em ambiente de ruralidade que muitos dos que aqui acorrem, provavelmente, nunca fariam na vida nestes moldes?

(JC): E com boa comida, perto da vila, onde se cria uma cumplicidade grande entre os courenses e não courense, onde, no fundo, há uma grande família. O festival reúne unanimidade entre os courenses…

 

 

(MM): E como era essa relação há, digamos, 20 anos?

(JC): Bem, há 20 anos havia ainda alguma desconfiança. O festival também ainda não tinha encontrado um rumo, ora tinha bandas de metal, ora de rock, ora de dança. Ainda não tinha encontrado o rumo que hoje achamos que deve ter e foi variando muito de público, para aí, até 1998. Por isso, havia muito cepticismo em relação às pessoas que cá vinham. Hoje temos um público tão bem comportado que as pessoas me dizem que anseiam pelo festival e não é só pelo negócio, mas pela simpatia das pessoas. Noutro dia alguém do comércio local, porque alguém estava a apalpar a fruta, dizia-me que estava desejoso pelo festival para ver gente ordeira e que sabe estar. Nunca houve notícia de desacatos, é gente pacífica, não há zaragatas, porque são pessoas com uma cultura acima da média, que gostam de música, como gostam de arquitectura, de cinema ou de literatura, são pessoas que acompanham as tendências. Por muito serôdio que isto possa parecer, são pessoas com um nível cultural diferente e que sabem estar. É um festival muito pacifista, como se diz: Coura é amor!

(MM): Ao longo deste percurso o que mais te surpreendeu?

(JC): A dimensão a que chegou, porque hoje Paredes de Coura é sinónimo de música. Se amanhã quiser fazer um evento em Lisboa e lhe chamar Paredes de Coura não preciso de dizer mais nada, as pessoas sabem que é um evento de música. Não preciso de anunciar uma banda, porque as pessoas sabem que está relacionado com música. É o nome que ganhou e a dimensão que adquiriu. O público vem para aqui acampar e costumo dizer que o festival poderia ter mais 10 mil pessoas se aqui tivéssemos mais 10 mil camas. Não temos, esgotamos toda a hotelaria, são centenas de casa que são alugadas e há muita gente que me diz que quer vir, mas que já não tem idade para acampar, se eu não arranjo um hotel! Não podemos, porque não há. É um festival muito difícil de se fazer. Quando digo que é um milagre fazer um festival em Paredes de Coura, e algumas vezes não sou bem interpretado, é por causa disso. Não temos hotelaria e não temos nenhum festival em Espanha e França. Trazer cá bandas que já andam em digressão e que na outra ponta da Europa têm cinco ou seis festivais, em que praticamente andam de carro entre eles, é muito complicado. É preciso querer muito, tanto da nossa parte como das bandas, porque para elas muitas vezes vir cá é para perder dinheiro, pois não fazem dois ou três festivais para fazer apenas um. É muito difícil convencer as bandas a vir cá, só não é mais difícil porque, entretanto, ganhámos fama de ser um festival diferente, com um público caloroso e com boas condições e onde os artistas gostam de estar.

 

(MM): E o que mais te desiludiu nesta viagem?

(JC): Que me deixe triste, nada. Que me deixou nervoso… fiquei triste, e de chorar, naqueles anos que choveu imenso! As pessoas acham muito engraçado, porque Paredes de Coura sem chuva não é Paredes de Coura, mas eu digo sempre que é e é muito melhor sem chuva! Olhando para trás, a chuva foi muito importante para fortalecer a mística do festival. É para pessoas que gostam de música independentemente das condições climatéricas. Agora, no futuro quero um festival com ou sem chuva, sempre sem chuva. O espaço é bonito, de praia fluvial, todo relvado e fica muito melhor sem chuva.

(MM): E o que mais te satisfez neste empreendimento?

(JC): O que mais me satisfaz é a actualidade, é olhar para a frente e ver que o futuro é risonho, com a edição passada esgotada antes de começar e saber que não vai haver problemas orçamentais como já houve durante tantos anos. E quando assim é, até em termos orçamentais, sentes outro conforto até para melhorar as infra-estruturas, que é algo que gostamos de fazer todos os anos. Como já disse várias vezes, um festival com níveis de satisfação tão altos (de 80, 90%) e nós toca a mudar tudo no ano a seguir para tentar melhorar. Isso também só é possível quando tens esse conforto financeiro. O festival nasceu para passarmos um bom bocado, hoje é a nossa história de vida e temos uma vida muito melhor do que se não tivéssemos o festival. Hoje, eu teria uma vida mais chata, provavelmente trabalhava num banco, nas finanças ou numa fábrica! Hoje estamos felizes com o que fazemos e a satisfação é o agora. É olhar para trás e vermos que chegámos a um ponto em que não há volta a dar. O festival é uma história de sucesso aconteça o que acontecer.

(MM): E ainda é possível o festival crescer?

(JC): Não, nós não queremos crescer. Isto é um festival gourmet! Claro que era possível crescer, não falta espaço se quiséssemos aumentar o anfiteatro, mas nem pensar. Aumentámos a capacidade em mais quatro mil lugares no ano passado, mas não queremos vender mais quatro mil bilhetes. Quanto muito vender mais mil bilhetes, mas queremos dar mais comodidade às pessoas, com mais zonas de descanso. Queremos é melhorá-lo, aumentá-lo não. Até por corremos o risco de o estragar e isso não queremos.

Fotos: Vodafone Paredes de Coura

 

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